segunda-feira, março 31, 2014

“Sou realista, temos que encarar a realidade”

“Sou realista, temos que encarar a realidade”
por Rafael Belo

É tão forte a presença da ausência. É um vazio individual para cada um. Daqueles sem preenchimento. De forma tão única...  A ponto daquele espaço latejar reservado para sempre. Abraços e palavras só extenuam a dor pois nenhum desses amenizam, intensificam, modificam nosso sentimento, mas o silêncio também não e por mais certeza neste fato é certo, preferimos dizer não. Por isso, assim como a morte se difere, a dor é diferente também, mas nosso apego chantageia o coração com dizeres no ouvido sobre injustiça com o capital egoísmo mordendo nossa orelha.

Forçamos fechar os olhos, fingimos não ser verdade, mas por maior a força da razão, a emoção sempre a supera. Porque são tantas emoções, lembranças e o dolorido fato de não ser mais possível produzir novas memórias... A razão não tem chances alguma. Quando esta não é única é um grupinho, uma minoria sem chance alguma. Ainda mais quando se trata de Amor. Quando sua figura paterna, de repente sobe um degrau a mais, mesmo sem força nas pernas.  É impossível esquecer aquele momento final, ainda mais quando você tinha seu pai nos braços. Aí os dentes se apertam, os lábio se contraem e antes dos olhos se encherem de lágrimas, estas caem abundantes.

Mais importante sãos as lembranças. Cada uma feliz, menos nos últimos 45 dias e neste terceiro dia de ausência... Mas a morte foi o caminho sem sofrimento e ao orarmos pelo melhor – e foram tantas orações – foi o melhor. Pois os semblante do pai era de dor tamanha e mais viria com o tratamento. Não haveria regressão ou cura... Ninguém merece sofrer tanto, perder sua independência, ainda mais quando sempre alçou seus voos fora das asas. O silêncio e o leve balançar de cabeça, quando de repente pararmos e depois sorrimos, será daquela estranheza de o mundo seguir sem um dos nossos principais exemplos e um dos primeiros. Um dos dois Amor instantâneo e insubstituível na vida.


Somos o legado. Filhos, netos... Não traços, voz, gestos, pensamentos, aparências, enfim, mas atos, escolhas, sorrisos e toda a alegria viva e intensa deixada em nós. É claro, meu pai tinha defeitos como todos nós, mas seu brilho na sua individualidade de ser, era e continuará sendo nas nossas memórias, orações e lembranças, seu maior destaque, nossa herança. Herdamo-lo com orgulho e junto vem sua vontade de resolver todas as coisas, nos amparar, nos carregar quando era preciso e sempre nos fazer rir... Agora de seu lugar de paz com certeza pede para não fingirmos estar de olhos fechados e deitados no chão diria simplesmente: Sou realista, temos que encarar a realidade.

sexta-feira, março 28, 2014

Sonhos de Gisela (miniconto)



Sonhos de Gisela (miniconto)
por Rafael Belo

Gisela sonhava. Mas nunca acordava para continuar sonhando.  Falava estar tudo muito bom, tudo muito bem e nas aparências estava. No entanto, neste mundo de reticências, qualquer maledicência atrapalha. Ela sonhava não ser assim, mas era. Acordava já incomodada como os dizeres dos outros e não fazia nada. Nada além de achar tais dizeres realmente existirem. Claro, havia alguns, mas a maioria era paranoia. Daquela das quais só achamos haver em filmes. Gisela olhava pessoas olhando em sua direção e já achava. Mas tudo era sonho.

E os delírios de Gisela não poupavam ninguém. Apalpavam até as entranhas dos pais, as partes baixas de amigos/amigas e socava a cabeça de estranhos, depois de acariciar e declarar – até em cartório com testemunhas – amo... Agora não mais! Tentaram interditá-la... Mas Gisela sonhava... Nos sonhos dela imaginava avisos... Ah, e sempre eram precisos, estes.  Mostravam uma camisa de força e isto bastava. Na verdade, ela mesma se achava louca e culpava tantos maldizeres pela loucura dela. Nada diferente do feito de outros tantos. Sua consciência era dona dos sonhos dela...

Ela olhava pela janela e se via partir, se aventurar. Gisela gostava de sonhar, mas sempre sozinha. Não havia um ser com dó dela, nem sequer uma peninha. Por isso, Gisela voava nos seus devaneios. Pulava nuvens, acabava com as línguas ferinas a ferindo por aí. Certa vez, até parou todo um casamento – não era o primeiro, mas este virou notícia de capa. Por acaso, passou na frente da igreja e curiosa entrou bem na hora do famoso se alguém tem algo a dizer, que fale agora ou cale-se para sempre. Ela se indignou. Ninguém manda eu me calar, gritou. Claro, todos os olhares foram para ela. E ela jurou já ter pegou aquele noivo, inclusive na noite anterior. A noiva já desconfiada, o esbofeteou e o fez sangrar e metade do casamento também confessou ter pegado o noivo. O casamento acabou. Gisela ficou sozinha na igreja. Ficou também com o buquê e o anel.


Ainda usa o tal. Mas, nunca quis casar e também a recíproca era verdadeira. Ninguém quis casar com ela. Porém, Gisela sonhava. Sonhava outras coisas tolas. Entre elas, mudar e salvar o mundo. Errava ela como os poetas, as pessoas, sim, precisavam de mudança e salvação. Inclusive ela... Ah, Gisela sonhadora. Hoje cedo rasgou a roupa e saiu correndo. Atacou tarados, estapeou mulheres horrorizadas e foi sonhar em outro lugar, em paz. Na cela 169 do presídio feminino, ficou. As delegacias estavam superlotadas e as casas de repousos para surtados, desativadas. Os loucos de hoje ficavam mesmo por aí controlando o povo sonhando com dinheiro. Os sonhos de Gisela agora pareciam mais reais com tanto abuso na sua cela e nenhum remédio para remediar. Medicação era para os outros sonhadores.

quinta-feira, março 27, 2014

Do avesso não

Do avesso não


por que falar da minha dor, se tenho a sua para escutar,
toda a primavera distribuir em um única flor,
sorri chorar, como se a mesma emoção fosse

te ouvir me faz soltar, espalhar tinta, grafite, gastar teclados
escrever, reflexos
transformar o individual em coletivo, crescer, dispersos
expressar para cada olhar, o ver de cada um
com cores só vistas por elas e da minha tinta tom algum...

ah, mas não me calo se te dou ouvidos,
pois separados somos indivíduos
guardando a textura do sabor da dor para nossos momentos sentirem o aroma na mão
mas unidos a dor não nos dobra, sobra e derruba o dito inimigo, nosso próprio medo
por isso, falo e te chamo para falar comigo, revele todos seus segredos

faça seu enredo, um síntese no sumário,
conte seus tropeços e reflexão,
caso pensem ao contrário
são reticências, interjeições, pontuações... Mas, do avesso não.


(às 00h19, Rafael Belo, quinta-feira, 27 de março de 2014)

quarta-feira, março 26, 2014

João não tinha fim (miniconto)



João não tinha fim (miniconto)
por Rafael Belo

Aquela noite para João não tinha fim. Também não tinha lua, estrelas ou luzes artificiais. Era o maior breu já visto por João. Uma escuridão total desde o início do dia. Aliás, era forçado dizer dia... Já amanheceu noite. As nuvens por toda parte se juntaram à neblina. Nem cinzas eram as nuvens. Eram de um negro ainda não identificado como cor. Toda esta escuridão parecia absorver João. Então, ele pegou o carro e saiu. A ideia era encostar o acelerador no asfalto, mas nem com farol alto enxergava um palmo adiante do veículo. Não havia também qualquer som. Era uma adaptação, mas qual... João ainda não sabia.

Os faróis começaram logo a oscilar... Isto não impediu João de acelerar. Ah e como ele acelerou. Esqueceu dos freios e afundou os dois pés no acelerador. Pareceu funcionar, mas havia uma pressão constante ao redor dele. E agora eram seus olhos... Os olhos de João oscilavam. Melhor. Pesavam profundamente. Pequenos pontos pretos apareciam como fogos de artifícios queimados na retina de João. Ele se sentia consumido pelo passado, pelo porvir... Até este momento... Presente. Pela primeira vez ele pensava no limite de tempo no qual vivia. Começava e acabava a cada instante para fazer parte do passado e outro João se fazer presente. O outro João se soltara. Estava tremulando ao vento...

Mas a esta altura do tempo, se estender bandeira branca era acreditar muito no outro quando acabava de começar a acreditar em si... Mesmo... Era um soltar demorado como subir do abismo sem fundo de costas e contra uma tempestade. Na verdade João era deflorado por todos os orifícios como sacrifício pelo não feito. Por tanto agarramento e apego, estava pagando. Pagava à prestação. Cada uma um sofrimento, por isso tanta escuridão. Era a pressão de seu cérebro diante de tanta cena na vida, tanta encenação... Uma adaptação do seria... Um seria tal João, mas não foi...

Este João se sentia sem limites, estava quase certo deste título, mas só viria de verdade depois de passar pelos obstáculos desviados. No entanto, já era algo, as amarras já começavam uma a uma a soltá-lo porque ele já se soltava delas. Aos poucos voltava o som, a luz e as lágrimas. Eram muitas lágrimas. Elas se soltaram depois de uma década agarradas bem no fundo como se não existissem. Elas existiam e tinham uma fonte inesgotável e sim eram boas. João não tinha fim... E assim, no instante do clarear da mente. Visualizou sua porta enferrujada e a própria casa abandonada. O João original estava lá... Arrombou sua porta enferrujada depois de florir direto do cimento do chão.


terça-feira, março 25, 2014

Sujeito tremular















Sujeito tremular

Solte, volte, reviravolte a sorte
lançada na vala das incoerências
onde todo corte sangra a angra seca dos reis

vermelho resort de lazer sem diversão
local de toda ação se reverter forte hei
na fraqueza da franqueza de homo ser hetero e hetero ser gay

e toda função de se libertar se trancar na sexual opção de uma bandeira estender

pegue este tremular e solte, revolte seus cabelos arrepiados,
lado a lado com a estática eletricidade em movimento

pavimento, sem chão, da emoção de se soltar, de todo o falido jeito, sujeito, de ser/estar.

(às 11h36, Rafael Belo, terça-feira, 25 de março de 2014).


segunda-feira, março 24, 2014

Solte

Solte
por Rafael Belo

As folhas estão se soltando e devagar chegando ao chão e não sei por que lembro desta imagem: as velas, o azul do vitral junto com a mandala e esta cruz vazada com o crucificado. É ao mesmo tempo bela, sutil e serena. Deve ser por isso... Uma luz invade o olhar.  É esta relação entre nós e o cosmo. Esta dinâmica, esta interação... Esta sensação de pequenez e imensidão... Esta harmonia e união concentrada em ciclos e vivemos assim. Mesmo às vezes confundindo com círculos e nos pegando no apego, no agarrar, neste dar voltas pelo mesmo lugar.

É outono, eu sei. Não por todo o universo, por todos os universos, nem por todas as regiões... Mas por aqui começou dia 20 de março. As folhas estão amarelas ou amarelando. O clima nem tão quente mais, afinal estamos depois do verão e antes do inverno, é o mais sobressalente do passar do tempo. Porque as flores não se restringem a primavera, são belas teimosas e florescem quando bem querem. Mas as folhas não. Elas estão sujeitas ao temperamento das horas, das árvores... E não se apegam, não se agarram, se soltam quando precisam soltar. Nós não. Nos agarramos mais.

Também somos teimosos, mas nem por isso flores. Somos outra espécie de folha. Daquelas contrárias a virar adubo. Secam tanto, mas tanto... A ponto de esfarelar quando soltam das árvores. É óbvio o nosso atual apego, agarro... O smartphone. As cabeças seguem baixas como aqueles animaizinhos de brinquedo com constantes sim’s ou nãos, mas atenção às pessoas, família, ruas, calçadas, são tão mínimas... Nem se repara. Também somos apegados à vida, muitas vezes mais a dos outros, mas vida é vida. Acredito ser assim para alguns (ou muitos) porque confundimos muito este tal de ciclo com círculo... Em diversos momentos até ficarmos tontos.

Queremos segurar um novo tipo de amor inventado por aí onde só o outro se doa, dá atenção, carinho, afeto... Onde só as roupas, calçados, facebook, whatsapp, instagram,, fotos nos representam... Onde estar presente é como ser albino extremo e decidir tomar sol ao meio-dia sem protetor solar, sem óculos, sem roupas... Entre uma notícia e outra, uma pessoa e outra, uma foto e outra, um comentário e outro, um status e outro, um pensamento e outro, uma cela e outra, perdemos a liberdade e abaixamos a cabeça para a vida. Pior. Seguramo-nos ao apego e ao medo de se nos soltarmos, o esborrachar será para sempre. Mas mesmo assim, tenho esperança de todos soltarem o grito: solte!

sexta-feira, março 21, 2014

Estela não podia... (miniconto)



Estela não podia... (miniconto)

Estela não podia andar, mas andava. Não conseguia falar, mas falava. Não era possível estar ali ou em qualquer outro lugar, mas estava. Ela, Estela, olha tijolos na calçada abandonada sendo apropriada pelo verde. Retomada. Tanto ela quando aquele aspecto abandonado daquele espectro de lugar. E aquele verde-laranja passou a verde olho no olho, rosto a cara... Aparecendo direto da luz desviada do sol daquele dia. Era uma manhã, talvez não qualquer. Mas, logo o luar estava ali sorrindo aquele frágil roxo das pequenas flores bloqueando a passagem. Estela ainda estava ali, não importava se não podia.

Estela era forte. Tão forte a ponto de ser comparada a uma estrela. Comparação exata, desde nome. Confiante e magnética, por onde passava levava olhares de todos os tipos. Eles iam independentes de homem ou mulher e preferência sexual. Não era bela, mas os passos firmes, o olhar à frente, brilhante, a cabeça erguida e o corpo ereto, faziam as pessoas pensarem Qual é a dela?! Até a natureza se aproximava sem medo de Estela. Pássaros curiosos, borboletas e seus efeitos, joaninhas e suas crenças, beija-flores e seus milagres. Mesmo assim Estela não podia ser assim... Mas era.

Parecia Estela provocar o silêncio. Talvez fossem as dúvidas brotando como mensagens no WhatsApp acima da cabeça das pessoas. Porém, ninguém se irritava ou malpensava ela. Estela inspirava a totalidade, viventes, e ninguém sabia o porquê.  Isso, porque Estela se isolava. Ajudava, fazia e refazia, revirava, levantava, mas guardava suas dores nas lágrimas para o papel. Ah, sim. Estela escrevia, cantava, desenhava, compunha, mas só mostrava pouco e o suficiente. Não era exibida, afinal. Compartilhava mais a fala pela mídias digitais, mas mais pelo Facebook. Gostava de se esconder no falecido Orkut... No impossível lugar onde não podia estar... Mas nem ligava.

Estela não podia um monte de coisas. No entanto duvidava resolver sentar, deitar, esperar... Não! Ela absorvia todo minuto há vários anos, não importava laudo, diagnósticos, especialistas... Estela prolongava e se estendia por onde alcançava. Não pensava em marcar, mas marcava. Por isso, quando a cama a abraçou e o povo de branco a encheu de dependência de fios e tubos. Ela sorria e dizia Eu posso e podia. Todos, então, diziam Estela Pode... Podia tudo e ainda pode. Não sabemos e ela não divulga. Seu sobrenome era Impossível e ela admirava centenárias tartarugas. Pensava nas rugas das Estrelas mortas ainda a brilhar por milhares de anos.


quinta-feira, março 20, 2014

coelhos

coelhos


É um entalhe esculpido com a brisa da primavera
durante todas as estações, o aroma da Beleza sincera
mesmo enferma na cadeira rangendo nos ossos de cada um

ela está inteira na beira de toda a paisagem, organizada álbum
uma mensagem a todo instante para nós, viajantes
passageiros da felicidade construída no fórum, próximos e distantes

refletida por toda uma comunidade de espelhos
no zelo de embelezar a imagem apressada de atrasados brancos coelhos,

sintonizados em aparelhos rastejantes, confiantes na trilha
mas perdidos nos saudáveis e doentes, o poder perplexo comprando até reflexos ao erguer sua bastilha.


(às 09h57, Rafael Belo, quinta-feira, 20 de março de 2014.)

quarta-feira, março 19, 2014

Espera agitada (miniconto)


Espera agitada (miniconto)
por Rafael Belo

Ela andava de um lado para o outro.  Às vezes um brilho intenso iluminava seus olhos e de repente se apagava. Sentia-se em um corredor estreito repleto de lembranças, mas ao mesmo tempo era branco. Um branco impecável. Tão branco de doer os olhos. Então, Elena parava. Para ela, tudo escurecia. Era como fios desencapados soltos se tocando até tudo ser fogo e consumição.  Nada fazia sentido. Quando alguém a lembrava disto, Elena gritava de dor. Seu corredor era de dor. Mas sofria por algo distante... Algo não feito. Até, por fim, se perder e sorrir sem perceber.

Sem saber por onde caminhava... Seu corredor tinha fim se olhasse bem, mas se vacilasse o olhar ficava interminável. Tinham momentos de confusão. Suas lembranças se misturavam e o corredor oscilava, vivo. De estreito e solitário se transformava em largo e em uma multidão. Em instantes eram conhecidos no segundo seguinte desconhecidos apavorantes. Quando isso acontecia, Elena revelava uma mania. Ela tinha a mania de passar ambas as mãos pela cabeça. Adorava ouvir tão perto aquele som de roçar no mato fechado. Não entedia o motivo, mas tinha algo a ver com carinho e segurança.

Seu corredor na verdade eram corredores doloridos, escondendo sofrimentos. No fundo sem fim de algum deles, estava o conhecimento mais dolorido. Elena estava doente e sabia. Mas escondia tão bem, mas tão bem, mas tão bem... Sua força de vontade falsificava sorrisos e força. Ela estava fraca e tentava se distrair de todos os sinais do corpo, de todas as manobras da mente. Tanto esforço para não lembrar, a fazia esquecer de tantas coisas... Criava colapsos na mente, porém, ainda assim sentia. Havia um peso desproporcional, uma energia vital sugada...


Enferma. Sufocava com seus esconderijos, seus artifícios para não contar. Quando decidiu respirar, começou a falar sem parar. Mas tudo era sua imaginação. Não passava de auto-conto-de-fadas, da mesma forma os gestos da sequência. Gestos expansivos e veementes, cheios de vírgulas, reticências e outras pontuações. Ela estava morrendo. Um pouco a cada dia. Morria nos últimos cento e 15 anos. Vivia da mesma forma. Todos eram assim e ainda são. Mas, poucos serão centenários. Se levarmos em conta como cuidam da saúde ou como a exageram. Aliás, Elena está na espera. Espera o próximo centenário tomar o seu lugar.

terça-feira, março 18, 2014

enfermos

enfermos


De repente o peso pendeu a situação
a cruz cambaleou encostou no chão
ficou ali observando uma flor romper a simulação
era um solo mudado em piso, sacrifício dos degraus

procurando pés descalços, a fé utilizava tênis e meias apoiada em varapaus
caia tudo do céu, cometas, pássaros, chuva, lixo espacial

agir, lutar era fingir estar em outro lugar
até intervir a avançada idade na cidade de corredores e dor

só a luz, insuficiente, trazia sombras da interagida ação do falar amor
para os deficientes de mudar, apenas se ajoelhar era louvor e transpiração

mesmo se a respiração parar e só restar...O dom do doutor.


(às 08h39, Rafael Belo, terça-feira, 18 de março de 2014). 

segunda-feira, março 17, 2014

Do céu só corpos celestes e água

Do céu só corpos celestes e água
por Rafael Belo

Uma maca. Uma cama. Desconhecidos. Certas situações e lugares não parecem como deveriam parecer. Apesar do coral irradiando o som de anjos cantando no corredor, o lugar ainda é um hospital. Não há alegria... Parece um encontro de cruzes pesadas demais para se carregar ou um local vivo sugando sua energia trazendo uma avançada velhice rápido demais. Tubos, bips, agulhas, medicamentos, rostos aflitos, mãos apertadas e só consigo pensar em um jogo de setes erros... Os enfermos não precisam de mais do mesmo, precisam alegrar a alma, ter o sorriso estimulado e, pessoas ao lado, transmitindo força e animação.

O ambiente não ajuda. Sério demais, branco demais, tenso demais... Então, entra a família mais próxima, os amigos mais íntimos e, em um ciclo, mais pessoas aparecem. Neste clima, ainda não se esquece do local, mas um alívio se generaliza, uma leveza pousa e se espalha. A ação e a interação de quem importa e se importa pesam mais.  Cruzes são divididas e as sombras agregadas ao calor são iluminadas e um frescor toma conta do mesmo lugar antes até sombrio.

Mas sempre é preciso agir e se unir a quem quer evoluir, melhorar. Esperar... É bom, mas, ser passivo não. Ver pelos corredores as dores de quem está com os enfermos e o sofrimento de quem enfermo está, em outros hospitais, é um descaso tamanho de deixar a todos nós doentes também. Mas deixamos tão de lado a saúde, esta no dever de vir em primeiro lugar, mas muitas vezes a deixamos por último, como se fôssemos inatingíveis, como se só ter fé fosse o suficiente.


É como acreditar na ação divina diante da nossa passividade ou, pior, no muro do presídio feminino de Criciúma, Santa Catarina, ter caído, devido a um temporal justo na hora do banho de sol das encarceradas e três fugirem... De repente têm pessoas dizendo ter sido vontade de Deus e mais uma vez cai no esquecimento seletivo ou na lembrança escolhida: “a César o que é de César e a Deus o que é de Deus”... Crentes ou não, estrelas, cometas, meteoros, meteoritos, asteroides, lixo espacial, aeronaves, pássaros, granizo e chuva. Apenas estes caem do céu para todo o restante precisamos intervir, agir e lutar. Mudar o ambiente. 

sexta-feira, março 14, 2014

Outros lados (miniconto)


Outros lados (miniconto)
por Rafael Belo

Seus olhos doíam. Não pela luz forte, mas pelo constrangimento. Não se olhava no espelho há anos e a dor só aumentava. Uma vergonha. Venâncio, o Ven, jazia em vida seu olhar vazio. Arrepiava quem passava por perto. Como um surpersticioso mau presságio... Ele parara com tudo. Decidiu se acorrentar a livros e fotografias. Aos poucos foi perdendo o vigor. Não por falta de água ou alimentação. Sempre aparecia alguém enxergando uma causa justa em seus feitos e o hidratava. Ninguém o deixava sem comer. Mas durante todos estes anos, as palavras, as paisagens e os silêncios o alimentavam ainda mais.

Fracasso e desistência passavam a rodear sua imaginação como personagens animados tonteados. Seu centro de gravidade se foi e quase a sanidade acompanhou. Ele parecia sempre embriagado. Mas seus olhos estavam sempre arregalados. Como estava em um local isolado, mesmo no centro da cidade, as autoridades decidiram deixá-lo em paz. Uma decisão polêmica. Gerando debate pelo mundo sobre direitos, livre-arbítrio, o poder do Estado, público e privado. Porém eram só palavras vazias. Ven se transformou em um caso de estudo. Um lunático preso ao único olhar da lua.

Sua história era desconhecida. Apenas conseguiram descobrir duas coisas: perdera tudo e tudo eram livros e imagens. Cada livro tinha um valor. Era um sentimento de Ven, um detalhe tanto do seu passado quanto do futuro e ele se perdeu nestes detalhes. Suas imagens se moviam como poesia viva mesmo sob seu olhar vazio... Lá no fundo ele começava com os primeiros alvos raios. Quando a alvorada chegava ele era branco, uma página viva esperando as primeiras palavras do dia. Assim ia se autocolorindo com palavras novas... Ele as enxergava nas imagens, paisagens.


Quando estava realmente só, alisava as correntes. Gostava daqueles elos. Sentia o metal frio em algumas partes, morno em outras, mas sempre quente na sua pele. Seu olhar, então, parecia ressuscitar aos poucos, um brilho de cada vez, uma projeção de sombra em novas ângulos, uma cor a cada hora, uma variação de palavras a cada minuto, uma intensidade poética a cada vírgula, em todo silêncio... Então... Chegava à noite. Preta, azul ou cinza, às vezes branca... Naquela imensa tenda montada - pelos políticos da cidade e demais autoridades - para protegê-lo. Ele queria morrer. Já não sabia mais a própria idade. Porém, quando a madrugada avançava e a vontade se intensificava, o primeiro alvo raio solar o acariciava e o fazia nascer novamente com o mesmo sol, mas diferente. Era este detalhe o segurando por teias invisíveis todos os dias, por todos os seus lados. Mas, algo sempre o alimentava. Porém, para o mundo, de repente, ele já não era novidade, não era notícia. Era parte da paisagem. 

quinta-feira, março 13, 2014

Mosaico montado

Mosaico montado


Marcha a marcha no tempo da marchinha
escolheu, agorinha, ver o lado bom de juntar seus fragmentos
o pensamento ainda dentro da lembrança desentupida de um sentimento
passa, contorna, entorta a linha, chega ao centro, em um único movimento

contraindo a descontração expressa, mudança de temperamento, na voltinha da expansão
cada detalhe da expansão vibrando, pedaços espalhados se ligando a mais poderosa varinha de condão
girando no círculo inexistente, potente
com mais cavalos para se conter, sem manter onipresente
todo o passado sobressalente, efervescente

quebrado, decifrado, para ainda quente ressuscitar, presente, mosaico.


(às 08h23, Rafael Belo, 13 de março de 2014).

quarta-feira, março 12, 2014

Fantasia perdida (miniconto)



Fantasia perdida (miniconto)
por Rafael Belo

Ela estava catatônica. Tão silenciosa por fora, para fora... Obrigando, vez ou outra, alguém se aproximar para sentir o ar entrar e sair. Mas esta respiração acontecia tão len-ta-men-te... Ins-pi-ra... Ex-pi-ra... Pareciam horas passar entre a troca de ares, a oxigenação. Era quase um coma induzido, mas o único acidente ocorrido havia sido no coração. Colombina nunca quis saber de Pierrô, nem sequer se envolveu com Arlequim. Este Carnaval passou há tanto tempo. Eram todos crianças. Ninguém amava desse jeito ainda. Mas, o coração de Bina se quebrou quando seu amado, Valete, a descartou e, pior, caiu pela janela...

Dor. Profunda e angustiante dor. Dor de Amor. Para Colombina, não havia mais carnavais nem haveria. Bina sempre detestou a folia. Bem, sempre não, quase sempre... A trocação desavergonhada de saliva começou quando viu, ainda naquela infância de Pierrô e Arlequim, seus pais Dama e Coringa, trocarem de mãos bobas como se estivessem em um carteado viciado em Las Vegas. Em pleno baile de carnaval... Desde então, além do trauma, ganhou alergia a confete e serpentina. Bina se sentia como a Jardineira vendo Camélia caindo e morrendo em dois suspiros. Espirrava sem parar e se coçava, mas era a primeira vez catatônica...

No entanto sua expressão era de um analista se divertindo. Havia felicidade e nostalgia naquele rosto. Parecia ser Benjamin Button e na semana sem ação aparente, ficava cada dia mais jovem. Se parassem para olhar nos olhos de Colombina, Bina estaria lá sim. Até enxergava a preocupação e as pessoas cuidando dela. Mas se olhassem bem mesmo, veriam brilhos intensos e até as lembranças piscando como se Bina fosse Chiquita Bacana e continuasse a fazer só os desmandos do coração. Ao entrar no estado de choque, a mente dela a fez vislumbrar cada detalhe das lembranças.


Por esta semana, Colombina estava dentro de si. Bina transplantava um novo coração de seus outros mundos e tudo terminaria no sétimo dia. Ela dedilhava os detalhes dos detalhes dos detalhes... E pedaço por pedaço começava a voltar ao mundo onde estava os outros interessados no olhar dela. Ao redor do corpo de Bina tudo estava vermelho. Fragmentos da dor passando, pareciam vibrar, expandir e contrair, mas só era possível ver se prestássemos bastante atenção. Todo seu coração quebrado estava em pedaços espalhado pelo chão. Estavam parando enquanto ela não.

terça-feira, março 11, 2014

olhando

olhando


Dentro de um ponto, reticências infinitas
faziam reverências ao tombo e ao chão
centro de  divergências de mundos, outras vidas
surgiam saliências, pois ali estão

formas de independências ativas
nas fôrmas das nossas carências, sãos
cadências selvagens cativas
cativantes insurgências, vãos

vamos nas inconsistências deixar a fadiga, desfadigar
ir às potências de ponto a ponto, o conto contar, tantos detalhes, a detalhar.


(às 08h33, Rafael Belo, terça-feira, 11 de março de 2014)

segunda-feira, março 10, 2014

“Como uma onda no mar...”

“Como uma onda no mar...”
por Rafael Belo

Há tantos mundos dentro dos nossos mundos. Não é surpresa a linha invisível separando o sol escaldando e o tempo fechado pronto para a precipitação. Chuva. Mesmo ainda não sendo oito horas da manhã. Mas vivemos nos surpreendendo com isso. Não podemos acostumar nossos olhos nem ao considerado feio, nem ao dito bonito. Conseguir registrar as imagens dentro destes infinitos espaços não permite reduzir tanta vida. Dependendo da luz e da sombra, há tantos detalhes em um simples metro quadrado... Nem podemos identificar todos.  Precisamos ter o costume de dividir as partes do todo, de todos e apreciá-las e a vida ficará mais bela.

Tais detalhes dão um charme, um ar especial e ao mesmo tempo corriqueiro aos nossos feitos e desfeitos, principalmente aos nossos defeitos. Porque sempre recaímos à perfeição. Ao querer ser perfeito. Ser perfeito não passa de repetição e maquiagem. São tantos erros para o acerto e só consideramos este fim. Com o clássico os fins justificam os meios. Quando passei a olhar a vida pela lente macro da câmera fotográfica, segui tentando não pisar e destruir mundos inteiros. Fascina-me esta perfeição da natureza com seu ciclo de repetição. Mas, prefiro o imperfeito.

Somos a imperfeição mais perfeita já criada e como nós bem dados, nós estamos atrelados ao tempo e o tempo tem seu próprio ritmo dependendo do mundo do olhar. Há tantos olhares a serem explorados. Uma aventura a cada piscada. Uma emoção diferente toda vez. É só prestar atenção ao silêncio e os sons de cada ser da natureza irá quebrar o silêncio à sua maneira e depois deixar o silêncio fazer a pausa necessária. Um eco no repleto, no pleno, em toda a peculiaridade existente. Ainda bem. É excelente ter sempre tanto pelas nossas eternidades particulares. Este dar a chance aos outros sentidos de sentirem as ondas de diversos tipos de mares.


Sentido a mudança da luz em tudo, Lulu Santos já cantava: Há tanta vida lá fora, aqui dentro sempre... Claro. Há dores. Sofrimentos. Perdas. Danos. Mas nada é irreparável. Basta repararmos nos resíduos, nas obras deixadas, no toque de cada pessoa, tantas histórias e trajetórias cruzadas, compartilhadas e tantos quintais de imensidão deixando olharmos nos olhos um dos outros e deste cotidiano reluzente. Os detalhes sempre estão ali, aqui, lá, bem na nossa frente, rentes ao nosso nariz. Só o querer nos separa de tantas maravilhas e suas expressões. Queira.

Para Pierro, seria o fim (miniconto)


Para Pierro, seria o fim (miniconto)
por Rafael Belo

Ele vinha alterando o humor como um tumor pressionando várias áreas do cérebro ao mesmo tempo. Um aneurisma da cisma de diversas situações. Desde seu último traumatismo craniano, o sangue parecia ter se alojado todo na cabeça.  Além da pressão da doença... Esta levou seus filhos e sua esposa e como todo deixado para trás, ele pensava: Por que não eu?! A autopiedade se transformou em raiva. Enquanto todos pulavam o Carnaval, Pierro Cinzas se imaginava pulando em cima de cada carro e pessoa por ali. Passou toda a folia registrando e planejando.

Pierro marcava rostos e placas. Motoristas bêbados. Rostos alterados. Quando o Carnaval chegasse ao fim, seria o fim. Ele adorava chamar as coisas e acontecimentos de estrume e as pessoas e conversas de estrupícios. Mas Pierro achava muito limitado o significado de estrume -  pôxa só merda é pouco, pensava. A explicação sobre estrupício para ele também era distante – Não pode ser só pessoa feia, desfavorecida esteticamente, esquisita... Não! Vamos juntar. Então, surgiu o termo estrumício. Bem além da explicação de qualquer Google.  Para Pierro tudo e todos passaram a ser estrumício.

Seu amor foi embora. Aliás, seus amores. Ninguém fez nada. Mas ele não culpava coisa alguma nem ser nenhum. Porém, não queria deixar a raiva morrer também. Alimentava-a. Engordava-a. Ah, e ela comia de tudo. Sua mais nova cria. A própria criação da retaliação. Ele seria O Retaliador. Não deixaria seu sofrimento ser de mais ninguém. Queria... - Ah, eles vão vasculhar minha história e distorcer tudo. Estes sensacionalistas vão explodir tudo. Eles nem vão entender os estrumícios no ventilador. Seria mais um terrorista. Esta é a incompreensão da bomba. Boom ...

Assim, na manhã da Quarta-feira de Cinzas. Era tudo silêncio no mundo da folia. Pierro saiu cedo. Dirigiu quilômetro. Acabou sua gasolina no ponto exato. Tudo conforme o planejado, pensou. O tempo chuvoso tornava tudo um só borrão. Desde o primeiro dia de Carnaval ele reuniu milhares de litros de combustível. Tudo isto está agora espalhado. Jogou mais um pouco no carro, “embebeu” um pano velho e o socou no tanque de combustível. O maior coquetel molotov do mundo, se divertia.


Ironia ou não, nem um par de pedras havia levado para acender seu plano. Pensou no meio e no fim. Mas, não no fundamental. Sua versão de Roma em Chamas, literalmente virara piada e estava encharcada. Mas começou a chover granizo. Misericordialmente (ou seria misericordiamente?), enfim, uma pedra de gelo, fina e longa, atravessou seu cérebro e para Pierro foi o fim. De alguma forma, começou um incêndio debaixo de todo aquele aguaceiro, seguindo toda a trilha deixada para trás por Pierro.

quinta-feira, março 06, 2014

Enfeitado Ciclo

Enfeitado Ciclo


A gente com palavras nega,
afirma com corpo e sinais,
agente da situação, carrega
todos os vícios anormais

o querer, o ser e as máscaras, servas
não passam com os carnavais
nem terminam nos finais das séries, nas trevas
servos nos espelhos, tentam prosseguir nos nosso quintais

data e hora, erra, mistura-se com definições virtuais
de repente cega todo fevereiro e março, passado nos varais, folia do povo, vai errando tudo de novo.


(às 08h23, Rafael Belo, 09 de março de 2014)

quarta-feira, março 05, 2014

Lágrimas e fumaça (miniconto)


Lágrimas e fumaça (miniconto)
por Rafael Belo

Caíam cinzas de toda parte. Aquele fogo controlado virou descontrole. Estava vivo. Um demônio incontrolável feito de chamas. Um rosto desfigurado no calor derretendo a pele dos mais próximos. Nem brasas sobravam das vítimas. Não se via nada definido quando se via. Eram lágrimas e fumaça. Cinzas e pó. Expiando o pecado louco de cada crente da imposição, da violência verborrágica, ou simples falar desembestado, da conversão. Bastou um fósforo quase úmido e Mitara Tártaro confessava aos gritos sua piromania.

Mas seus gritos não eram só confissões. Haviam palavras desconhecidas pelas Pessoas saindo em um som arrastado como um mantra cantado por um abismo. Uma hipnose entre as vozes dela. Mitara foi a primeira a virar cinzas e no momento seguinte estava ao vento. Tudo. Cada lugar. Começou a exalar álcool. A maior destilaria de absinto do universo. O odor era tão forte quanto jamais um bêbado, ou o alcoólatra mais velho em atividade, experimentaria sentir. Nem deu tempo de pensar em identificar a origem do cheiro. Lágrimas ardentes escorriam abundantes e, então, fumaça. Cinzas.

Foi o vento com o fogo vivo. Ambos sorriam e sofriam na bipolaridade dos seus atos. Espalhavam-se tão rápido. Nem a luz chegava antes. Também tinham idolatria pelas cinzas de Mitara. Ela os libertou. Ficaria com eles por toda parte. Tanta ardência, calor e pressão trouxeram outro elemento. Chuva. Mas a água evaporava ainda nas nuvens recém-formadas. Nem por isso deixara de chover. Chuva de cinzas. O vento não a deixava cair e rasgando o tempo com a noção de realidade, ela corria o mundo. Aumentava sua quantidade. Até tudo ser fumaça e cinzas.

Logo a terra queimava por inteiro suas primeiras camadas. Também se levantara com os outros três elementos. O vento a transformou em um abafo. Morreu o fogo. Começou a chuva. E no momento do toque, entre as cinzas de Mitara e o solo. O maior medo passaria a tomar conta se alguém, agora, não fosse cinzas. Um pesado silêncio faria cair de joelho os quatro elementos, se eles ao menos tivessem pernas. Depois do fogo, foi-se a chuva. O vento, ainda ardente, assoviava desvairado. Secou a terra cinzenta. Só esta sobrou. Mas estava tão emaranhada com o resto do mundo... Não tinha mais a mesma identidade. Restara no planeta uma folha de calendário. Acusava fevereiro de um lado riscado e março. Mas era consumida ao poucos. Se sobrasse olhos e compreensão... Seu último resquício... Acusava... Quarta-feira de Cinzas. Depois, até esta se foi.

terça-feira, março 04, 2014

Brisa de tempestade

Brisa de tempestade


Descalço na folia
fez terapia para os pés

cortou a sola em 2614 extremos
no encalço, o arrepio pretenso da pose, diversas fés

entregou a carne para o vale dos prazeres supremos

para se arrepender depois que a quarta for cinzas
e todo pó se formar em uma vazia maré

onde não chega o mar e a ressaca é... [retirada em pinças]

jura-se tudo, promessas do falo, calo dos calos da Quaresma

cotidiano anual de falar ao vento, traz e leva.


(às 11h55, Rafael Belo, terça-feira, 04 de março de 2014)

segunda-feira, março 03, 2014

Síndrome das alegorias

Síndrome das alegorias
por Rafael Belo

Cerca de 600 anos Antes de Cristo, o gregos já caiam na folia. Com muito mais orgia do que nossa atual vã hipocrisia pode aturar. Cerca de mil anos depois a Igreja adotou a data e há quem diga que deu o nome em latim carnis vallles. Daí não precisa ser especialista em nada para juntar dois mais dois. Os prazeres da carne ou adeus carne. O período anual para ter toda a gula possível nestes dias chamados “gordos”. Depois vinham os dias “magros” de penitência e privação. A Quaresma. Os 40 dias para parar e pensar nos excessos e, antigamente, se privar da carne. Todas as cidades brasileiras tinham seus festejos carnavalescos regionais para extravasar antes de pedir perdão até chegar o séc. XIX e Paris espalhar seu estilo, adaptado no Brasil, mais especificamente na região carioca/paulista, e exportar para o mundo. Começa aí a síndrome das alegorias.

Resíduo do nada do que foi será de novo do jeito que já foi um dia porque não poderia deixar de dizer que todo carnaval tem seu fim... Brincar de ser feliz, pintar o nariz, se festejar e alegria, alegria... Depois... Bem e depois? Não pensamos no depois. Queremos viver agora porque, gritaria Nelson Rodrigues, toda nudez será castigada.  Mas parece haver em nós este gene milenar de ignorar toda a ética e moral imposta pela Igreja adotada e lapidada pelos atuais poderes. Os gregos que confirmem. Então, parece que viver é se entregar a bebida, ao sexo e saltar todas as barreiras sociais, morais, espirituais, físicas... Para atingir o recorde dos recordes olímpicos e mundiais da ressaca moral.

Por isso, quando chega a Quarta-feira de Cinzas, a lembrança de que voltaremos ao pó, o enterro-dos-osso, as sobras do Carnaval, realmente vem o chamado do arrependimento? A vontade de penitência e reconhecimento dos erros cometidos? Posso estar bem enganado, como todos nós, mas a maioria segue o Carnaval pelo resto do ano ou começo deste. Então, entra na avenida da culpa/remorso/tô nem aí/sou assim mesmo, resíduos dos dias “gordos”. O reflexo gordo e do “tudo posso”. Com suas comissões de frente especializadas na busca pelo próximo Carnaval.

O reflexo gordo segue guloso, mas tentando não ver o espelho onde devorou tudo o que podia e, principalmente, tudo que não devia. Segue tentando devolver o passe-livre e todas as memórias dos últimos três a sete dias de vale-tudo. A não ser que tenha a doença da amnésia alcoólica... Já o “tudo posso” saí contando detalhes do libera geral que promoveu e continua promovendo, às escondidas, em toda oportunidade ou as vai criando conforme exigir seu prazer. Claro, existe áreas cinzentas e as derivações das fantasias de Carnaval, só para depois negarmos sorridentes: brasileiro não é só folia, peito e bunda. Ah, não, somos muito mais... Um povo que ri quando deve chorar. Afinal, chorar pra quê? Vamos cultivar os espinhos para virarem sementes puras e os soprarmos ao vento.