João
não tinha fim (miniconto)
por
Rafael Belo
Aquela noite para João
não tinha fim. Também não tinha lua, estrelas ou luzes artificiais. Era o maior
breu já visto por João. Uma escuridão total desde o início do dia. Aliás, era
forçado dizer dia... Já amanheceu noite. As nuvens por toda parte se juntaram à
neblina. Nem cinzas eram as nuvens. Eram de um negro ainda não identificado
como cor. Toda esta escuridão parecia absorver João. Então, ele pegou o carro e
saiu. A ideia era encostar o acelerador no asfalto, mas nem com farol alto
enxergava um palmo adiante do veículo. Não havia também qualquer som. Era uma
adaptação, mas qual... João ainda não sabia.
Os faróis começaram
logo a oscilar... Isto não impediu João de acelerar. Ah e como ele acelerou. Esqueceu
dos freios e afundou os dois pés no acelerador. Pareceu funcionar, mas havia
uma pressão constante ao redor dele. E agora eram seus olhos... Os olhos de
João oscilavam. Melhor. Pesavam profundamente. Pequenos pontos pretos apareciam
como fogos de artifícios queimados na retina de João. Ele se sentia consumido
pelo passado, pelo porvir... Até este momento... Presente. Pela primeira vez
ele pensava no limite de tempo no qual vivia. Começava e acabava a cada
instante para fazer parte do passado e outro João se fazer presente. O outro
João se soltara. Estava tremulando ao vento...
Mas a esta altura do
tempo, se estender bandeira branca era acreditar muito no outro quando acabava
de começar a acreditar em si... Mesmo... Era um soltar demorado como subir do
abismo sem fundo de costas e contra uma tempestade. Na verdade João era
deflorado por todos os orifícios como sacrifício pelo não feito. Por tanto
agarramento e apego, estava pagando. Pagava à prestação. Cada uma um
sofrimento, por isso tanta escuridão. Era a pressão de seu cérebro diante de
tanta cena na vida, tanta encenação... Uma adaptação do seria... Um seria tal João,
mas não foi...
Este João se sentia sem
limites, estava quase certo deste título, mas só viria de verdade depois de
passar pelos obstáculos desviados. No entanto, já era algo, as amarras já
começavam uma a uma a soltá-lo porque ele já se soltava delas. Aos poucos
voltava o som, a luz e as lágrimas. Eram muitas lágrimas. Elas se soltaram
depois de uma década agarradas bem no fundo como se não existissem. Elas
existiam e tinham uma fonte inesgotável e sim eram boas. João não tinha fim...
E assim, no instante do clarear da mente. Visualizou sua porta enferrujada e a
própria casa abandonada. O João original estava lá... Arrombou sua porta
enferrujada depois de florir direto do cimento do chão.
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