Sonhos de
Gisela (miniconto)
por Rafael
Belo
Gisela sonhava. Mas nunca acordava para continuar
sonhando. Falava estar tudo muito bom,
tudo muito bem e nas aparências estava. No entanto, neste mundo de reticências,
qualquer maledicência atrapalha. Ela sonhava não ser assim, mas era. Acordava já
incomodada como os dizeres dos outros e não fazia nada. Nada além de achar tais
dizeres realmente existirem. Claro, havia alguns, mas a maioria era paranoia. Daquela
das quais só achamos haver em filmes. Gisela olhava pessoas olhando em sua direção
e já achava. Mas tudo era sonho.
E os delírios de Gisela não poupavam ninguém.
Apalpavam até as entranhas dos pais, as partes baixas de amigos/amigas e socava
a cabeça de estranhos, depois de acariciar e declarar – até em cartório com
testemunhas – amo... Agora não mais! Tentaram interditá-la...
Mas Gisela sonhava... Nos sonhos dela imaginava avisos... Ah, e sempre eram
precisos, estes. Mostravam uma camisa de
força e isto bastava. Na verdade, ela mesma se achava louca e culpava tantos
maldizeres pela loucura dela. Nada diferente do feito de outros tantos. Sua consciência
era dona dos sonhos dela...
Ela olhava pela janela e se via partir, se
aventurar. Gisela gostava de sonhar, mas sempre sozinha. Não havia um ser com
dó dela, nem sequer uma peninha. Por isso, Gisela voava nos seus devaneios. Pulava
nuvens, acabava com as línguas ferinas a ferindo por aí. Certa vez, até parou
todo um casamento – não era o primeiro, mas este virou notícia de capa. Por acaso,
passou na frente da igreja e curiosa entrou bem na hora do famoso se alguém tem algo a dizer, que fale agora
ou cale-se para sempre. Ela se indignou. Ninguém manda eu me calar, gritou. Claro, todos os olhares foram
para ela. E ela jurou já ter pegou aquele noivo, inclusive na noite anterior. A
noiva já desconfiada, o esbofeteou e o fez sangrar e metade do casamento também
confessou ter pegado o noivo. O casamento acabou. Gisela ficou sozinha na
igreja. Ficou também com o buquê e o anel.
Ainda usa o tal. Mas, nunca quis casar e
também a recíproca era verdadeira. Ninguém quis casar com ela. Porém, Gisela
sonhava. Sonhava outras coisas tolas. Entre elas, mudar e salvar o mundo. Errava
ela como os poetas, as pessoas, sim, precisavam de mudança e salvação. Inclusive
ela... Ah, Gisela sonhadora. Hoje cedo rasgou a roupa e saiu correndo. Atacou tarados,
estapeou mulheres horrorizadas e foi sonhar em outro lugar, em paz. Na cela 169
do presídio feminino, ficou. As delegacias estavam superlotadas e as casas de
repousos para surtados, desativadas. Os loucos de hoje ficavam mesmo por aí
controlando o povo sonhando com dinheiro. Os sonhos de Gisela agora pareciam
mais reais com tanto abuso na sua cela e nenhum remédio para remediar. Medicação
era para os outros sonhadores.
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