Solte
por
Rafael Belo
As folhas estão se
soltando e devagar chegando ao chão e não sei por que lembro desta imagem: as
velas, o azul do vitral junto com a mandala e esta cruz vazada com o
crucificado. É ao mesmo tempo bela, sutil e serena. Deve ser por isso... Uma
luz invade o olhar. É esta relação entre
nós e o cosmo. Esta dinâmica, esta interação... Esta sensação de pequenez e
imensidão... Esta harmonia e união concentrada em ciclos e vivemos assim. Mesmo
às vezes confundindo com círculos e nos pegando no apego, no agarrar, neste dar
voltas pelo mesmo lugar.
É outono, eu sei. Não por
todo o universo, por todos os universos, nem por todas as regiões... Mas por
aqui começou dia 20 de março. As folhas estão amarelas ou amarelando. O clima
nem tão quente mais, afinal estamos depois do verão e antes do inverno, é o
mais sobressalente do passar do tempo. Porque as flores não se restringem a
primavera, são belas teimosas e florescem quando bem querem. Mas as folhas não.
Elas estão sujeitas ao temperamento das horas, das árvores... E não se apegam,
não se agarram, se soltam quando precisam soltar. Nós não. Nos agarramos mais.
Também somos teimosos,
mas nem por isso flores. Somos outra espécie de folha. Daquelas contrárias a
virar adubo. Secam tanto, mas tanto... A ponto de esfarelar quando soltam das
árvores. É óbvio o nosso atual apego, agarro... O smartphone. As cabeças seguem
baixas como aqueles animaizinhos de brinquedo com constantes sim’s ou nãos, mas
atenção às pessoas, família, ruas, calçadas, são tão mínimas... Nem se repara. Também
somos apegados à vida, muitas vezes mais a dos outros, mas vida é vida. Acredito
ser assim para alguns (ou muitos) porque confundimos muito este tal de ciclo
com círculo... Em diversos momentos até ficarmos tontos.
Queremos segurar um
novo tipo de amor inventado por aí onde só o outro se doa, dá atenção, carinho,
afeto... Onde só as roupas, calçados, facebook, whatsapp, instagram,, fotos nos
representam... Onde estar presente é como ser albino extremo e decidir tomar
sol ao meio-dia sem protetor solar, sem óculos, sem roupas... Entre uma notícia
e outra, uma pessoa e outra, uma foto e outra, um comentário e outro, um status
e outro, um pensamento e outro, uma cela e outra, perdemos a liberdade e
abaixamos a cabeça para a vida. Pior. Seguramo-nos ao apego e ao medo de se nos
soltarmos, o esborrachar será para sempre. Mas mesmo assim, tenho esperança de
todos soltarem o grito: solte!
2 comentários:
Oi, Rafa!
Há quanto tempo eu não passava pra tomar um café contigo, hein?
Rs
O cenário, a narrativa, a citação do outono, tudo me remeteu a uma espécie de portal, um elo entre o que foi e o que ainda será. Me senti integrada ao teu texto, ótimo texto, aliás, como de costume.
Um beijo.
Pois é querida, que não se repita rs muito envaidecido e agradecido pelo de costume rs ótima semana pra ti.
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