sexta-feira, maio 02, 2014

Antes da sanidade (miniconto)


Por Rafael Belo

Pré-são, Léo sentia a pressão. A loucura batia de frente, distribuía tapas na cara... Léo escancarava a boca e cada vez mais respirava fundo. Se precisasse respirar um tantinho mais viraria precipitação. Subiria aos céus e despencaria como se um oceano sem fim vazasse das nuvens cinzas. Estava tudo salgado demais. Choveria triste porque buscava seguir o padrão. Tinha medo de se destacar e suprimia qualquer brilho a mais na possibilidade de aparecer. Reprimia-se e se escondia no seus próprio bastidores. Para isto havia a lista.

Léo listava lado a lado seus limites. Planejava suas falas, marcava as horas de cada um... As pessoas tinham seus hábitos controlados por horários e Léo sabia onde cada um estaria e fazendo o quê. Então, ensaiava diálogos com ele mesmo no espelho, mas como se fosse a pessoa com a qual iria se encontrar por “acaso”. Não conhecia realmente nenhuma das pessoas. Aproximava-se e ouvia. Com o tempo sabia nomes e gostos. Isto fazia as pessoas se sentirem em um ambiente agradável, conhecido, então falavam sem saber o motivo de contar coisas pessoas a um desconhecido.

Por isso Lé sentia a pressão e sua pré-sanidade, porque nunca se sentiu são de fato. Algo lhe dizia não ser natural ser assim. Listar o nome de todos e marcar quem são, como são e onde vivem... Ele se achava louco, mas não era consciente, então quando a loucura começou a distribuir surras para ele foi... Foi quando a fumaça começou a sair em espiral das suas narinas, seus ouvidos já formavam uma nuvem densa. Até seus olhos e boca esfumaçavam... Ele não admitia ser mais uma peça fundida nesta engrenagem ensaiada e bem maquiada da sociedade.

Caiu, correu... Queria chegar antes da sanidade. Conseguiu. Estava misturado a uma chuva torrencial e incrivelmente quente. Todas suas anotações e arquivos salvos no seu celular se perderam ali. Em um insight percebeu a inutilidade de ser previsível e agradável. Quanto faltava de personalidade disso. Ele era um puxa-saco nato. Um bajulador de todos, mas desinteressado... A não ser no fato de querer se misturar, ser parte. Mas, neste insight viu a si mesmo sendo outro, um instrumento vivo sem utilidade. Agradeceu a chuva por acabar com suas listas e planos. Agora, realmente, estava antes da sanidade. Era só consciência e liberdade. Sentia-se nu pela primeira vez. Prometeu viver pelado como um pássaro presente, mas misterioso.

Um comentário:

José María Souza Costa disse...

Bom dia.

Que todos tenhamos um dia de domingo bom. Com muito sol, paz e harmonia.
Que o Criador, não esqueça jamais, das nossas lutas, mesmo aquelas individuais, e nos contemple com a sua piedade divina, e sobre tudo o seu perdão.
Que a família continue sendo Sempre, o acolhimento de cada um de nós.
Abraços.