sexta-feira, agosto 22, 2014

refeição viva (miniconto) – por Rafael Belo



 Aquela cerca era o limite entre a galinha e um mundo vasto demais para ela. Ciscar, comer, reproduzir, cuidar, ensinar os filhotes e depois tudo de novo até virar canja, cozido ou churrasco. Tácito se sentia exatamente assim, a cerca dele era a preguiça e a mentira personificada nos feitos ditos, mas não feitos por ele. Ele tinha a percepção... A qualquer instante poderia virar refeição da terra.

Morrer literalmente de preguiça, esta limitação cheia de fadiga evitada de Jaiminho. Quando o Programa do Chaves era mais transmitido este era exatamente o apelido de Tácito. Ele tinha tantos fakes nas redes sociais que até se exaltou, certa vez, com ele mesmo. Usou palavras tão belas e poéticas que as mídias digitais os excluíram e ele descobriu não saber quem era.

Foi quando foi embora sem sequer perceber. Então, largado ali naquele chão sem lembrar de como chegara ali, ficou hipnotizado pela repetição dos movimentos da galinha. Tácito estava enganado. A cerca não era suficiente para cercar a galinha, ela passa por baixo para lá e para cá, insistentemente ciscando como se não houvesse amanhã. Provavelmente esta noção era titica para ela.

Então, os olhos de Tácito foram galinhando e seu coração parando. Preguiça não engorda, esta é outra dos pecados capitais. Este é o mínimo resultado da gula. Ele não era guloso, tinha preguiça de repetir. Também era preguiçoso demais para ser saudável, mas havia herdado um belo plano de saúde corporativo. Sabe-se lá porque. Alguém o viu caído, contorcido e chamou socorro. A ambulância o levou para uma UTI exclusiva no apartamento do hospital. Quando ele acordou, os aparelhos respiravam por ele e mantinha seu coração batendo. Tácito teve preguiça de sair de lá.

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