por Rafael Belo
O som da chuva
traz sorrisos e arrepios simultaneamente. Depende de quem somos. Independente do
tempo da queda das águas já não tão puras como antes, também já não o somos. Caímos
cadenciais como estas águas de março diariamente, mas, como as cidades, estamos
impermeáveis. Não absorvemos a garoa, chuvisco ou torrenciais granizos e
temporais. Inundamos e levamos nossa confiança e convicção para longe porque já
não há mais onde escorrer. Nossas vias se vão e basta olhar para a cidade que
ela também se vai.
Mas para onde? Para
o mesmo lugar, porém é necessário adubar, enriquecer o solo empobrecido onde
mudos não mudamos e nem plantamos as mudas certas para reflorescer. Ora! Nem jogamos
o lixo no lugar, não cedemos espaço, acentos, assentos só ocupamos e nada mais.
Há naquela cor natural ainda não desbotando o sorriso pelo sorriso, o brilho
pelo chocolate presenteado, a flores bem-vindas, o semblante se irradiante
diante de um bebê e perante um cachorro no colo.
Isto é
gentileza. O quanto dói ser gentil, oferecer o lugar, jogar o lixo na lixeira? Parece
muito dolorido se expor, permitir o outro se aproximar, se arriscar... Viver uma
dor passada é estender o sofrimento ao nada e esperar encharcados o sol secar
enquanto é noite. Então, transbordamos e levamos outros conosco como a cidade
carregando motos, carros, casas e vidas, levamos caminhos, oportunidades,
necessidades, nossa poesia...
Somos o som da
chuva, o barulho da cidade, esta infertilidade promovida pelo nosso pânico a
nos paralisar enquanto nos preocupamos com a inutilidade do medo, ao invés de
nos alertar para a necessidade deste alerta. Como vamos sorrir ou arrepiar se
nos esvaziamos das coisas erradas? Precisamos parar com as deturpações para
plantar a semente e colocá-la no sol mesmo dentro de um temporário copo de
plástico, mesmo nem tudo sendo efêmero precisamos abrir a janela.