sexta-feira, março 06, 2015

olhARes do alto (miniconto)


por Rafael Belo

Poucas pessoas passavam pelo terminal naquele horário. Eram quase 9h da manhã de uma sexta-feira, os ônibus mal paravam e já partiam. Os passarinhos olhavam... Os funcionários trocavam de turno e as duas crianças - entre poucos saudáveis 5 e 9 anos – pareciam com acessórios daquele lugar. Acessórios ignorados, perdidos e praticamente lutando pela sobrevivência desde o primeiro horário de pico do dia.

Inicialmente eram obstáculos para os apressados paulistanos (de origem ou por adoção) e depois elas precisavam se alimentar... Ninguém olhava para baixo, outro desafio... Todos evitam sentir pesar. Queriam se afastar do contato visual e de relacionamentos... Nada de se envolver de verdade. Mas sabiam de uma forma que podiam esquecer... Esqueciam... Como fingir a ausência de duas menininhas?

Presentes embaixo, famintas como bonecas largadas pelas meninas mimadas que têm demais e quase nada de afeto de fato. Foi assim que uma jovem devorando um prensado cachorro quente se encolheu como se fugisse da noiva do Chuck. Ela fazia parte de um casal solitário. Era aquela parte virando o rosto em pânico, mas indiferente sem dar qualquer resposta ao pedido vindo de algum ponto daquela mãozinha a encostar nela.


Ele olha segurando um lábio retorcido ao mesmo tempo no qual repassa os porquês de terem chegado até ali. Não consegue sorrir e dobra seu pedido como as meninas dobraram... “não incomodem. Deixe o cliente em paz...” Ele olha respirando forte para o funcionário ávido por satisfazer seu comprador... Depois apenas ignora sua vontade e as palavras desse com a mesma intensidade do abraço para as meninas. Um capaz de tirá-las daquela realidade exploratória, dali... Desta cidade fria e distante, mas apenas atende a vontade delas. Felizes elas comem pão de queijo enquanto ele espera silenciosamente o labirinto com o qual casou.

Um comentário:

Anônimo disse...

Lindo...suave...marcante!