quinta-feira, março 05, 2015

Roçando os braços (miniconto)

por Rafael Belo

Ela decidiu ir ao encontro dele. Era perto, afinal. No máximo meia hora de caminhada. Ambos precisavam se encontrar. Sentiam-se perdidos, aturdidos com as próprias limitações. Mas por causa destas baterias insuficientes, o excesso de aplicativos nestes celulares inteligentes e, principalmente, pela distração que um causava no outro, eles se esqueceram de carregar o telefone móvel... Destas coisas que mentimos ser coincidência, os dois ficaram sem celular enquanto planejavam se encontrar no meio do caminho da cidade.

Durante o expediente e em um dos piores plenos horário de pico deste ano sentiram o famoso aperto no coração, que os levou àquela surpreendente tentativa de fazer surpresa e, curiosamente, acabaram se surpreendendo. Haviam feito um mapa. Este se desfazia neste momento nos ansiosos bolsos suados. Eles andavam olhando para frente, mas nada enxergavam. Era como se tivessem feito dilatação das pupilas e utilizassem fones de ouvido e alto e mal som. Eram pontos transparentes em meio ao cinza.

Quando se deram por si já estavam tão longe de onde saíram quanto suas origens. Eram um devaneio, uma bruma que não se dissipava. Em um movimento sincronizado à distância, levaram a mão ao bolso, ao celular sem bateria e aos mapas sem utilidade mais. Levantaram a cabeça tentando se localizar... Ela logo cerrou os dentes em claro sinal de bruxismo e os comprimiu forte fazendo ressaltar os músculos do maxilar. Ele expirava forte, contorcia o nariz e umedecia os lábios, se descobriu perdido.


Ao menos duas horas haviam se passado sem eles estarem em lugar algum. Estavam tão perto um do outro e de si mesmos, mas não se encontravam. Continuavam não enxergando nada. Pareciam sofrer de cegueira nervosa. Bastava olhar para o outro lado da rua e se encontrariam. Quem sabe dissipariam a neblina das suas origens... Sentiam-se estarem tão próximos que doía como se o coração fosse um faminto animal selvagem se debatendo pelo corpo todo em busca de uma saída. Eles passariam boa parte da vida nesta busca passando quase ao lado, praticamente roçando os braços e, então, seguiriam na própria perdição. Ruminando em um dia amanhecido ainda entrando no tom.

Um comentário:

Anônimo disse...

"Eles passariam boa parte da vida nessa busca"...imperdivel.....mamys