sexta-feira, agosto 25, 2017

A primeira vez que cunharam (miniconto)





por Rafael Belo

Primeiro a testa enrugou, sabe? Os olhos apertaram e comprimi meus lábios, mas não consegui conter um sorriso. Tentava segurar a risada, mas pareciam espasmos. Ficava pior. Não teve jeito cuspi toda a água que tinha acabado de colocar na boca. Para não molhar ninguém, me molhei. Não queria ver os outros rindo... Ia ser uma tragédia. Era uma disputa séria, até então.

Alguém gritou vai viiii-aaaa-doooo voa... Estavam todos pensando exatamente isso. Ele nunca assumiu. Mas, havia um respeito mesmo com as brincadeiras tolas por trás (não seja pejorativo, não leve por esse lado). Todos ali tinham “sorte” de ninguém se meter na vida de ninguém (a não ser um crush ou outro que não se aguentavam e davam match bem nas escadas, no terraço, no armário... Enfim... Há câmeras escondidas por todo lado...).

Mas, o mês estava acabando. Estavam todos muito cansados. Nervosos com as mudanças na empresa. Perguntavam-se se alguém seria demitido. Quem seria? Havia tensão. Até nosso gerente geral criar esta confraternização com apresentação de dons ocultos, ou seja, que ninguém da empresa conhecia. Ele estava feliz demais quando chegou. Sempre foi fechado, tentando disfarçar... Aí alguém comentou de um collant coloridíssimo. Só chegou ao meu ouvido assim: “Mavi! Está confirmado!”. Tínhamos criado esta senha nos primeiros dias dele na empresa há um ano: “Está confirmado!”. Um ano.

Passamos UM ANO tentando dizer que estava tudo bem. Todos os 100 funcionários. TODOS! Mas, para dizer não ser afetado, pintoso (olha a mente! É de pinta não de... Você entendeu), “inha” e por aí, ele fez justamente ao contrário: se fantasiou deles. Estava todo esteriotipado e quando ele subiu no trapézio improvisado que montou, mascando chiclete de boca aberta e falando pelo nariz. Você via neguinho e branquinho segurando a boca, olhando de lado... Até alguém gritar: “Vai viado voa” e o mundo acabar em risada. Ninguém descobriu o autor desta aliteração, mas ouve um infeliz que morreu socialmente.


Se você achar o vídeo vai ouvir - da única pessoa que não tinha entendido ainda toda a cena - o seguinte: “Achei que era viado, não é não? É travesti, né?” Claro que o funcionário público foi execrado, banidos das mídias sociais, foi condenado a prestar serviço comunitário sob diversos enquadramentos na lei(depois de um ano de prisão) foi exonerado antes mesmo do vídeo viralizar e até hoje alguém tem o vídeo compartilhando que é quase um “gemidão”. Diz a lenda que foi a primeira vez que separaram a palavra/classificação/machismo/preconceito/xingamento/melhoramigo e cunharam a expressão: Viiiii-aaaa-doooo! 

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