quarta-feira, agosto 30, 2017

Só leiam (miniconto)





por Rafael Belo

Eu me sinto sem rosto flutuando. Não é um vazio, um espaço em branco acima do pescoço. Minha face jamais será uma tela virgem para o outro pintar. Não ignorem meus traços, minha personalidade se expressa muito bem nas minhas expressões. Não sei até quando aguento tantas agressões. Mas, se cair – claro, cairei – vou me levantar com uma nova aprendizagem. Guarde esta mensagem: não sou sozinha. Podem cortar minha cabeça, pois, tenho todas e ela não vão voltar a abaixar.

Morro todo dia, mas nunca sozinha. Não sou mártir de nenhum lugar. Mais um dia para ir lá dançar. Expressar todos os sentimentos e cada centímetro do meu corpo. Mais uma carta chegando me elogiando, me pendurando como mais uma peça de carne neste podere açougue coletivo. O texto começa sempre enganoso: “Querida bailarina Sophie, hoje vi algo diferente naquele seu movimento e desta vez quase atirei em você. Meu dedo travou...”

É! Eu também tenho um louco mandando mensagens. Mas, este – como vários – é fruto da nossa sociedade. Ele não me manda mensagens de textos, não faz ligações, não recebo notificações dele no meu whats. Ele vem pessoalmente me ameaçar. Eu sinto a presença dele. É assim sua tortura. Ele já matou policiais antes. Já estive sobre proteção, mas a mentalidade dele está deturpada. É sexual e eu sou seu brinquedo favorito...

Ele disse já ter morrido outras vezes e eu acredito. Não sei mais se ele é algo físico, vivo... É mais um fantasma a assombrar, aterrorizando todos os dias, me aprisionando neste medo irritante... É MAIS UM COVARDE! Também sou mulher de verdade e danço pela minha vida. Hoje vai ser diferente. Você já deve ter lido a forma horrível que morri nos jornais. Espero ter dito todo o horror e opressão sem motivo consumindo minha voz, mastigando meu coração, dilacerando minha alma, tomando meu sono como o café personalizado deste filho da ignorância e do machismo (algum nepotismo ou incesto deste)...

Espero ter tido a coragem de revelar esta maldição só por eu ser Mulher. Protagonista do meu próprio balé, de dizer o que quer... Parei a dança no meio do ato naquele palco nosso? Gritei toda minha angústia, também sua? Só não quero saber dos incomodados com nossa luta... Eles têm os problemas deles para desvendar. Se estiverem a me velar, agora, só leiam esta história que já deve estar postado no meu perfil, no ar. Obrigada por compartilhar.

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