por Rafael
Belo
Até então, ela não tinha se dado conta da idade. Já era idosa há
tempos, mas tudo o que faziam ao seu redor era exaltar a beleza e juventude
ainda nela. Só vinham e iam com os típicos “não parece”, “não acredito”, “é
verdade?”, mas ainda não tinham chegado ao fatídico: “Quero chegar assim na tua
idade, mas não sei se quero ficar velha”... Isso mudaria em pouco tempo. Naquele
dia ela tirou as selfies que aprendera a tirar e postar no status do whats, no
snapgram e no snap do face, “chocando” os mais jovens...
Não falava de rolês, mas procurava entender. Beirando os 70 anos
parecendo 50 ela estava satisfeita com ela mesma, vivia sozinha e lidava bem
com a depressão, mas naquele dia não conseguiu acionar o Uber, não conseguiu
carona e não teve coragem de ir no carro dela. Queria economizar e, sob o sol
do deserto daquela cidade pegando fogo, foi para o ponto. Não queria mexer no
celular para não ser assaltada porque ouvira tantos casos... Mas, queria
conversar com alguém, então entrou na loja próxima ao ponto, confirmou os
horários e quase perdeu o ônibus...
Mas, conseguiu correr com dificuldade atrás do ônibus, fazer
aquelas brincadeiras que só quem já viveu de tudo nessa vida não se importa em
fazer e sentou (até parece!)... Não! Ela não sentou nem iria sentar. Os olhares
no ônibus de focados nela passaram a total ignorância. Ela se tornou invisível
instantaneamente. Fingiu não reparar e foi dando indiretas, mas nesta época
tecnológica ao extremo, fone de ouvido é item obrigatório como o sono pesado
repentino até daqueles sentados em assentos prioritários e poderiam muito bem
estar em pé.
De pé e com dores ficou ela. Tentou não ficar com raiva e
tagarelava sozinha enquanto centenas de olhos circulavam para todos os lugares
onde ela não estava e as bocas se contorciam contrariadas e entediadas. Histórias
foram perdidas e resmungos evitados, mas quando o motorista, também de fones,
freou bruscamente tarde demais atropelando um gato em fuga que corria de
vários cachorros... Todos foram arremessados para a frente do ônibus e o
impacto foi dobrado porque quem vinha dirigindo atrás estava tão colado que não
viu a luz de freio levantando, assim, a traseira do ônibus. Nem quem estava
sentado se segurou...
O ônibus ficou parecendo um pacote de últimas bolachas quebradas e
quem ficou – sabe se lá como – por baixo de todos foi a idosa. O remorso foi
geral até daqueles tentando não ter nada a ver com a situação. Com a vasta
experiência, a idosa sabia fazer um drama, sabia conseguir o que queria e teve
sua vingança. Foi mentalmente para a praia semi-selvagem onde gostaria de estar enquanto fingia estar morta e não achou estar pegando pesado até porque - depois de todos questionarem se ela estava morta - acabara de ouvir a maldita frase: “Quero chegar assim na idade dela, mas não sei
se quero ficar velha”.
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