quarta-feira, outubro 18, 2017

Maldita frase (miniconto)




por Rafael Belo

Até então, ela não tinha se dado conta da idade. Já era idosa há tempos, mas tudo o que faziam ao seu redor era exaltar a beleza e juventude ainda nela. Só vinham e iam com os típicos “não parece”, “não acredito”, “é verdade?”, mas ainda não tinham chegado ao fatídico: “Quero chegar assim na tua idade, mas não sei se quero ficar velha”... Isso mudaria em pouco tempo. Naquele dia ela tirou as selfies que aprendera a tirar e postar no status do whats, no snapgram e no snap do face, “chocando” os mais jovens...

Não falava de rolês, mas procurava entender. Beirando os 70 anos parecendo 50 ela estava satisfeita com ela mesma, vivia sozinha e lidava bem com a depressão, mas naquele dia não conseguiu acionar o Uber, não conseguiu carona e não teve coragem de ir no carro dela. Queria economizar e, sob o sol do deserto daquela cidade pegando fogo, foi para o ponto. Não queria mexer no celular para não ser assaltada porque ouvira tantos casos... Mas, queria conversar com alguém, então entrou na loja próxima ao ponto, confirmou os horários e quase perdeu o ônibus...

Mas, conseguiu correr com dificuldade atrás do ônibus, fazer aquelas brincadeiras que só quem já viveu de tudo nessa vida não se importa em fazer e sentou (até parece!)... Não! Ela não sentou nem iria sentar. Os olhares no ônibus de focados nela passaram a total ignorância. Ela se tornou invisível instantaneamente. Fingiu não reparar e foi dando indiretas, mas nesta época tecnológica ao extremo, fone de ouvido é item obrigatório como o sono pesado repentino até daqueles sentados em assentos prioritários e poderiam muito bem estar em pé.

De pé e com dores ficou ela. Tentou não ficar com raiva e tagarelava sozinha enquanto centenas de olhos circulavam para todos os lugares onde ela não estava e as bocas se contorciam contrariadas e entediadas. Histórias foram perdidas e resmungos evitados, mas quando o motorista, também de fones, freou bruscamente tarde demais atropelando um gato em fuga que corria de vários cachorros... Todos foram arremessados para a frente do ônibus e o impacto foi dobrado porque quem vinha dirigindo atrás estava tão colado que não viu a luz de freio levantando, assim, a traseira do ônibus. Nem quem estava sentado se segurou...


O ônibus ficou parecendo um pacote de últimas bolachas quebradas e quem ficou – sabe se lá como – por baixo de todos foi a idosa. O remorso foi geral até daqueles tentando não ter nada a ver com a situação. Com a vasta experiência, a idosa sabia fazer um drama, sabia conseguir o que queria e teve sua vingança. Foi mentalmente para a praia semi-selvagem onde gostaria de estar enquanto fingia estar morta e não achou estar pegando pesado até porque - depois de todos questionarem se ela estava morta - acabara de ouvir a maldita frase: “Quero chegar assim na idade dela, mas não sei se quero ficar velha”. 

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