quarta-feira, outubro 04, 2017

Paro de pensar (miniconto)






Por Rafael Belo

Eu viajei. Estou longe para ver se me livro de tantos eus me expondo na exposição diária. Ontem, até ri da piada do idoso mostrando seu genital para crianças na praça e disseram que, se fosse em um museu, a arte valeria milhões... Hoje não rio mais. Estou transbordando posicionamentos favoráveis, contra e o que eu quero é não pensar. Mas, isso tanto me incomoda. Arte não é só coisa bonitinha é transgressão, choque, fomento, reflexão e incômodo. Ah, mas criança com o tal do nu artístico lá no museu... Sei lá...

Pedofilia? Incentivo? Arte? Quanto à criança entende? Prefiro não pensar. Estou soterrada de mim aqui, mas há uma paisagem refletindo do meu ser. Você também vê? Mas essa sou eu ou é você? Quem sabe seja eu te saudando e você me saudando de volta... Não sou hipócrita já choquei bastante, me libertei desta vida vulgar há muito tempo... Mas, tudo cansa e vim aqui descansar... De mim.  Deixar-me aqui um pouco. Absorvo muitos socos agora, mais do que desferí-los ensandecida.

Neste lugar virgem eu me pertenço mais. Não tenho que me preocupar com pudores, atentados ao pudor, com convenções sociais... Sou bem mais eu em qualquer parte. A naturalização dos corpos não combina com nossa sociedade pseudo-livre porque ninguém é ensinado a nada a não ser conquistar postos, cargos, carros, casas, esposas, maridos... E a se descobrir? Nada. Será que só eu penso assim? Não quero ninguém pensando igual, gosto de estar perto do diferente... No entanto, a linha é tão tênue tensa como a mais aguda das cordas da execução clássica de um violino.


Ao som da natureza neste lugar onde só eu estou, tenho tanto calor e despudor que não consigo enxergar a fragilidade ou a tal vulgaridade da nudez. Nada é permanente. Alguém entende isso? Provocar é obrigar a pensar, a enxergar...? Eu me obrigo sempre e este é meu abrigo. Chego aqui e me adentro na mata selvagem. Escalo, nado, abro espaço para chegar... Vejo a graça só quando é difícil chegar e o valor vem em cada passo. Agora danço com o vento me desfazendo, refazendo... Escoteira faço fogueira com pedras e galhos. Queimo roupas íntimas, agasalhos e sem querer a pele... Ou melhor, só o cheiro de pelo queimado, quase um susto com a fumacinha subindo para a lua a uma ínfima fatia de ficar cheia. Deito entre a praia e a mata a olhando. Então, paro de pensar.

Um comentário:

Anônimo disse...

Adorei. Muito boa reflexão.