quarta-feira, outubro 25, 2017

sem perdão (miniconto)




por Rafael Belo

Os urubus rodeavam entregando a localização de algo se decompondo ou talvez ainda vivo, mas com cheiro de morte. Os tucanos queriam meter o bico, gaviões davam rasantes e as corujas piavam assombrosamente... Geila estava tropeçando e com a pele toda queimada. Suas roupas puídas quando não rasgadas estavam coladas nas feridas e no suor. Olhando os movimentos de uma vista aérea, qualquer um diria ser um zumbi.  Demorando mais um pouco, alguém diria ter vistos olhos vidrados brancos mortos e arrastando a perna direita.

Eu deveria ter me matado. Mas, qual tipo de vingança eu teria cometido terminando em suicídio? Não sou covarde. Não. Nada me faria me matar... Matei sim e mataria de novo. Pelo menos sei quem eu sou. Sou ruim? Pode ser. Sei que vou responder por isso em algum inferno me aguardando, mas não vou acelerar a punição da minha alma... Já não a tenho. Não posso provar a venda a não ser por esta marca de total ausência de cores se espalhando dia após dia... Mas, antes disso eu já era “incomum”.

E estes pássaros? Eles têm uma comunicação entre eles. Te garanto. Eu os matava quando ainda era criança. Mas, só estes que agora me perseguem. Estas feridas são um oferecimento deles... Eles tentam me comer viva há tempos... Juntava as asas deles para tentar voar? Não. Eu dizia que eu matava até anjos caídos. Meus pais diziam ser uma fase... Isso até eles perderem o jogo quando a fase ficou difícil demais para a mentezinha pequena deles. Eles não tinham fotos minhas e nunca me falaram do meu nascimento. Bem, até ser tarde demais...

Não me delicio com os rostos se contorcendo de dor nem utilizo armas no meu próprio punho. Sou descolada demais para isso, não me atenho aos detalhes nem quando sonho com minhas obras tentando me assombrar. Todo mundo querendo achar tanta violência ser consequência de... Mas, não! Ela sempre existiu. Nem sempre fui Geila. Quando fui Lilith me deliciava com os detalhes, com os pecados... Nem me lembro de quantos infernos foram isso. Inferno mesmo é ter que nascer de novo e tentarem me fazer uma alma boa... Sendo que nunca tive uma... Hoje prefiro atear fogo, estourar bombas e controlar sistemas tecnológicos inteiros. São mais pessoas mortas como pouca energia gasta. 

Agora não consigo me levantar. Será que meus órgãos vão se regenerar e eu vou ter que caminhar neste sol deste mesmo jeito pela eternidade? Não poderia ser só o fígado como Prometeu? Pelo menos me mandem um Hércules mesmo eu não tendo perdão.

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