quarta-feira, novembro 23, 2016

Desmemória (miniconto)




por Rafael Belo

Os tics-tacs pararam sem aviso. Aquele silêncio súbito perturbou o cotidiano plasticamente repetitivo. Isto quase parou o coração de Alira. Talvez tivesse parado e ela nem percebeu. Parecia um pesadelo que não conseguimos acordar e de repente acordarmos sentindo o quarto diminuir, a escuridão nos apertar e esfriar o quarto quente suado. Os sons se recusavam a ser repetições e, por qualquer razão, não seguiam... Ela conferiu a televisão, o microondas, o notebook, o celular, o relógio de pulso, a decoração de parede, mas teve medo de procurar a posição da lua.

Alira sentia que tudo recuava, se repetia como lembranças perdidas no Facebook há um ano, há cincos anos, há décadas, há tempos imemoriais...  Era um incômodo parecido com ser observado em filmes de suspense e terror, era um equivalente a um déjà vu sem fim aliado ao enigma da esfinge sem jamais ser solucionado, então a alma revivia o castigo de Prometeu. A ironia de uma grande águia devorar o fígado do titã amarrado a uma rocha pela eternidade que simplesmente crescia novamente no dia seguinte.

Ela via sombras dos passos. Eles eram os mesmos, mas... O visual vinha mais elaborado parecendo simples, mas tinha uma complexidade típica da manipulação, da ilusão do poder... Alira olhou para a lua. Era a super lua latejando no meio da noite. Ela sentia aquele pulsar devendo descontrair, porém, apenas contraia como uma dor que não passa, uma fibromialgia sem tratamento sequer para amenizar. Aquelas estrelas ofuscadas já inexistente, já mortas, ainda brilhavam em outros séculos da mesma forma.


Desesperada, Alira tentou insanamente voltar as horas em tudo que as informava. Como nada informava o tempo exato mais, não percebeu quanto tempo passava, mas todo o olhar dirigido a lua só reforçava a loucura dos erros não aprendidos serem repetitivamente repetidos e a corrupção histórica corromper a memória enquanto quem despertava desmaiava de exaustão. Alira acordou no silêncio percebeu a falta de batidas do próprio coração, não estava entendendo... Por que o tempo não passava? Ainda deitada, respirou fundo e preferiu voltar a dormir.

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