por
Rafael Belo
O
sobrenatural estava presente na noite. Era certo pela lua oval vermelha já
tocando o horizonte e o vermelho sol saindo entre as árvores do outro lado. Havia
uma neblina pairando. Fellinie Notche estava caída em uma poça de sangue
aumentando vagarosamente. O pé esquerdo e todo o tornozelo estavam dilacerados.
Eram visíveis ossos, tendões e articulações, mas ela permanecia encolhida e
tensa sem demonstrar a terrível dor visível latejando naquela imagem. Murphy
estava acordado aplicando sua lei pessoalmente para cada um.
Arcadia
apareceu neste momento e quase atropelou Fellinie quando a viu. Cães perturbados
mordiam o meio-fio, pneus, árvores e com certeza a matariam se Arcadia não
tivesse jogado o carro pra cima dos animais já próximo de Fellinie. Mais adiante
ainda era possível ver o carro desvairado responsável pelo acidente com fuga. Eram
altas horas da madrugada como a lua indicava e quase o amanhecer como o sol
desafiava. Nem os semáforos estavam abertos. Piscavam inconsequentes como os
bêbados solitários parecidos com figurantes de Walking Dead.
Havia
um gato em cada esquina parando para olhar o carro de Arcadia e do anônimo
namorado dela. Eles olhavam nos olhos humanos com um misto de desconfiança e
desafio. Nada funcionava, nem as clínicas 24 horas... Estava tudo indefinido e
Fellinie ainda não havia dito nada, apenas olhava como... Como... Como uma gata
abandonada... O casal tentando salvá-la estava entrando em desespero. Em um dia
sem nada funcionar a sensação era de estar em um filme. Aquela aventura sem fim
era como definir extremas direita e esquerda.... Não eram definidos porque não
tinham definição. Estavam sentados na própria origem. Uma das coisas incríveis
para se pensar eram as horas rodadas de carro sem o medidor de combustível se
mover. Ele ainda indicava tanque cheio...
Fellinie
testava corações de novembro. Era parente da deusa Bastet e poderia se curar
quando se transformasse, mas fazia tanto tempo... Ela não recebia atenção e
cuidados de ninguém, por isso, os olhos de gato dela refletiam expressando dor
e receio. Ela tinha perdido todas as direções. Não esperava um atropelamento. O
acidente a havia desnorteado. Tinha fobia de sentar em qualquer indicação de
direita e esquerda. Sua direção era, óbvio, o equilíbrio. A qualquer momento
ela acabaria com aquele inferno a anestesiando. Quando o carro parou diante de
uma clínica, Fellinie mostrou também ser a própria noite e se transformou em um
negro gato. Depois se curou e pelo gesto do casal os presenteou com o enxergar
diante de qualquer escuridão.
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