sexta-feira, dezembro 15, 2017

“É uma obrigação artística refletir o meu tempo”







Todo dia eu subo ao palco. Canto, interpreto, declamo poesia, satirizo, satanizo, beatifico… Sou iludida e iludo. Nem sempre é intencional, mas não desfaz nem desobriga a necessidade de desculpas e até perdão. Às vezes, até uma reparação… mesmo assim há coisas irreparáveis. Coisas até insuperáveis, mas que com o tempo aprendemos a tratar de uma forma capaz de nos permitir viver e continuar. É difícil admitir que eu também faço tais coisas, não sou racista de forma alguma mesmo havendo negros racistas... Mas quantas vezes não fui contraditória antes de perceber?

Somos sensíveis significâncias, ou seja, lá o significado disso. Já senti não significar nada, mas agora eu sou livre. Minha alma voa sem rumo parecendo encontrar uma Nina Simone ativista em alguma nuvem de chuva para despertar uma catarse e ressignifica a liberdade a todo instante, então tocam as músicas desta musa que dizia que “é uma obrigação artística refletir o meu tempo”...É um looping infinito de “Why The King Of Love is Dead”, “To Be Young, Gifted and Black” e “Mississipi Goddam” em um looping infinito me fazendo refletir.

Não sou mais de reclamar. Eu procuro soluções antes mesmo de abrir a boca. Ouço estas músicas de protesto me perseguindo e tento ser grata pelos sacrifícios feitos por tanta gente antes sequer de meus pais se conhecerem... Mas, as aparências me engaram tão bem que foi difícil conseguir entender que meu silêncio e entretenimento por entretenimento, sem nenhum conteúdo, só seriam distrações e já há muitos ocupando este papel. Eu preciso despertar as pessoas dentro das pessoas, entende?

Aquelas que querem fazer algo para mudar, para se libertar, ao invés de fingir estar tudo bem e esperar outros fazerem o que precisa ser feito. Quantos não repetiram para si mesmos terem nascido na época errada? Isso não é verdade, eu garanto. Garanto para mim de hora em hora porque nós temos algo a fazer aqui e já. Falar sozinha assim pode até me fazer louca, mas me acalma e posso pensar com o máximo de clareza em como isso será arte logo... Bem nem sempre com clareza porque prefiro negritude ou simplesmente pensar em quanta igualdade precisamos no meio de tanta diferença e quão pouco os intolerantes são e afetam com ódio quem ainda não se posicionou...


Penso ser mortal a conformidade social. A questão não é só Zumbi e o direito de ir e vir. É Dandara dos Palmares, Anastácia, Luiza Mahín, Tereza de Benguela, Aqualtune, Zeferina, Maria Felipa de Oliveira, Acotirene, Adelina Charuteira, Rainha Tereza do Quariterê, Mariana Crioula, Esperança Garcia, Zacimba Gaba, Tia Simoa, Na Agontimé (Maria Jesuína), Eva Maria de Bonsucesso, Maria Aranha e Maria Firmina dos Reis... Todas estas mulheres heroínas negras estão em mim e as vejo em todas nós. Só penso que a pele não tem cor, mas melanina e o que nos torna diferentes é muito mais profundo que a quantidade de melanina. Sou Melania e sempre pergunto: você quem é?

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