Todo dia eu subo ao palco. Canto, interpreto, declamo poesia, satirizo,
satanizo, beatifico… Sou iludida e iludo. Nem sempre é intencional, mas não
desfaz nem desobriga a necessidade de desculpas e até perdão. Às vezes, até uma
reparação… mesmo assim há coisas irreparáveis. Coisas até insuperáveis, mas que
com o tempo aprendemos a tratar de uma forma capaz de nos permitir viver e
continuar. É difícil admitir que eu também faço tais coisas, não sou racista de
forma alguma mesmo havendo negros racistas... Mas quantas vezes não fui
contraditória antes de perceber?
Somos sensíveis significâncias, ou
seja, lá o significado disso. Já senti não significar nada, mas agora eu sou
livre. Minha alma voa sem rumo parecendo encontrar uma Nina Simone ativista em
alguma nuvem de chuva para despertar uma catarse e ressignifica a liberdade a
todo instante, então tocam as músicas desta musa que dizia que “é uma obrigação
artística refletir o meu tempo”...É um looping infinito de “Why The King Of
Love is Dead”, “To Be Young, Gifted and Black” e “Mississipi Goddam” em um
looping infinito me fazendo refletir.
Não sou mais de reclamar. Eu procuro soluções antes mesmo de abrir a
boca. Ouço estas músicas de protesto me perseguindo e tento ser grata pelos
sacrifícios feitos por tanta gente antes sequer de meus pais se conhecerem...
Mas, as aparências me engaram tão bem que foi difícil conseguir entender que
meu silêncio e entretenimento por entretenimento, sem nenhum conteúdo, só
seriam distrações e já há muitos ocupando este papel. Eu preciso despertar as
pessoas dentro das pessoas, entende?
Aquelas que querem fazer algo para mudar, para se libertar, ao invés de
fingir estar tudo bem e esperar outros fazerem o que precisa ser feito. Quantos
não repetiram para si mesmos terem nascido na época errada? Isso não é verdade,
eu garanto. Garanto para mim de hora em hora porque nós temos algo a fazer aqui
e já. Falar sozinha assim pode até me fazer louca, mas me acalma e posso pensar
com o máximo de clareza em como isso será arte logo... Bem nem sempre com
clareza porque prefiro negritude ou simplesmente pensar em quanta igualdade
precisamos no meio de tanta diferença e quão pouco os intolerantes são e afetam
com ódio quem ainda não se posicionou...
Penso ser mortal a conformidade social. A questão não é só Zumbi e o
direito de ir e vir. É Dandara dos Palmares, Anastácia, Luiza Mahín, Tereza de
Benguela, Aqualtune, Zeferina, Maria Felipa de Oliveira, Acotirene, Adelina
Charuteira, Rainha Tereza do Quariterê, Mariana Crioula, Esperança Garcia,
Zacimba Gaba, Tia Simoa, Na Agontimé (Maria Jesuína), Eva Maria de Bonsucesso,
Maria Aranha e Maria Firmina dos Reis... Todas estas mulheres heroínas negras
estão em mim e as vejo em todas nós. Só penso que a pele não tem cor, mas
melanina e o que nos torna diferentes é muito mais profundo que a quantidade de
melanina. Sou Melania e sempre pergunto: você quem é?
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