sexta-feira, março 16, 2018

A contagem regressiva (miniconto)







por Rafael Belo

O mundo lá fora não importava. Eu escutava minha música, tentava me livrar da minha dor e se possível sair ilesa sem causar nenhuma morte no caminho. Minha boca vivia amarga, meu corpo sempre ardia e, às vezes, eu nem respirava. Não sabia como parar de me comportar assim. Era uma má-selvagem capaz de morder alguém só por me olhar... Tinha o desejo de não me preocupar, de ter paz... Queria saber se aguentaria todo este oposto imposto à mim. Eu batia palmas e ouvia palmas irônicas ecoarem por aí. Eu conversava sozinha, brigava sozinha... Eu passei dos limites sociais. Era uma foragida e agora, calma, livre da raiva, eu deveria me entregar...?

Seria justo dizer ser injusto? Justo agora que finalmente percebi ainda ser um ser humano, minha vida chegaria ao fim? Eu que era fria como água gelada no chuveiro em um inverno de 50 graus negativos. Era cortante e mortal, não mais. Mas, todas as vidas que transformei em morte precocemente serão cobradas. Sentir muito, pedir desculpas são só palavras... Minha consciência desperta, alerta é masoquista. Eu quero incomodar as pessoas, mas não quero ser incomodada... Esta gente se acha inteligente e eu me sinto equivocada quando dou a chance de provarem... É como querer água calma jogando milhões de pastilhas efervescentes.

Viro as costas e vou embora. Grosseira mesmo... Este é o menor dos meus problemas... Serei eu má e toda esta definição de mal caricato equivocada? Eu serei merecidamente enjaulada, humilhada, a escória da sociedade... Todo mundo julga, ojeriza, me chama de monstro e no final sou uma mulher como as outras. Elas só não admitem e nem têm coragem de agir como eu... A ideia da música absurdamente alta era eu não escutar sequer meus pensamentos, mas estou aqui sendo cercada por populares e policiais brigando por jurisdição. Se eu tivesse nascido em outra época eu teria o demônio em mim ou seria uma bruxa... Queimada ou exorcizada e só por quem está à frente dos religiosos...

Pelo visto serei executada e o problema será eliminado como se não existisse. Não sou a única. Só criei uma consciência. Assassinas com consciência se sobrevivem enlouquecem. Terei paz se estou arrependida de verdade? Minha raiva me abandonou, agora não posso nem odiar ninguém e a culpa vem como um conta-gotas com ácido aplicado direto na garganta. Sinto que minha hora vai chegar e passar sem eu nem perceber... Será que como Caim e Judas um plano me trouxe até aqui ignorando meu livre-arbítrio? Ou meu livre-arbítrio me levou a escolhas e independente de quais fossem ainda assim eu acabaria no fim de um plano? Ironia ou não enquanto os tiros me tiram desta existência eu sorrio ouvindo a música mais conhecida da banda Europe: The Final Countdown... Melhor assim!

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