sexta-feira, julho 04, 2014

esvazia o vazio (miniconto) – Rafael Belo









Se fosse apostar diria que estavam todos mortos, mas sabia que era uma aposta errada. Os moradores daquela rua deveriam estar dormindo ou resolveram todos abandonar as casas de uma vez. Dava medo. Ele tremia da cabeça aos pés. Parecia o segredo revelado do liquidificador. Ele olhava para o vazio daquela rua vazia e tremia ainda mais. Chacoalhava tanto, mas tanto... Não conseguia raciocinar. O irracional medo não permitia. Estava se sentindo consumido, agredido por aquela noite sem fim.

O horizonte queria clarear. O sol forçava sua entrada, mas havia outra força ainda maior tentando permanecer naquela fria escuridão. Aquele dia não queria terminar e havia um impasse. Elias sentia que não queria saber. Seu relógio estava parado. Seu carro dera uma inexplicável pane geral. Algo dizia que Elias deveria reconhecer aquele lugar. Mas ele fazia um tremendo esforço para não se lembrar e tremia de uma maneira extrema. Um tipo de tremor ainda não identifica-lo e pela experiência de Elias, coisas raras não eram boas.

Havia uma luz tênue. Tão sem proposito que parecia parte da paisagem, mas não na frente daquela casa, cuja sensação a lhe passar era totalmente desagradável. Tudo ali era ostensivamente mal iluminado e parecia haver mais mal por aí. Mas ele sabia ser bobagens o que sentia pairar era ódio, abandono e confusão. Foi forçado a entrar naquele lugar. Uma casa vazia. Estava morta. Mas Elias ouvia sons e os procurava no celular. Via luzes e elas estavam apagadas. Seu corpo inteiro era arrepio e ainda não era de frio. Havia muita adrenalina para tanto. Estava incontrolável. Tremendo e rígido ao mesmo tempo. Tinha certeza que o silêncio deveria imperar ali como lá fora e não era assim...

Nem sequer uma brisa se mexia. Estava tudo frio e parado. Elias calculava que sentia o frio de cerca de 10°. Tentou não se desesperar ao perceber estar na casa de três gerações mortas totalizando quatro pessoas. Ele reconhecia. Ele não as via, não acreditava nelas, mas não importava... Elas estavam ali sussurrando. Elas acreditavam em si e queriam acreditar nele. Estava tão arrepiado que sua pele parecia um escudo medieval de bronze. Sentia uma força chama-lo mas ele queria tanto não entender que não entendia. Sentia mãos tentando puxá-lo.


Quis parecer calmo e se forçou a se controlar e não tremer. Mas, ondas de arrepios misturavam seus sentidos. Ele acelerou os passos até a porta. Fechou a porta. Sem olhar para trás em nenhuma destas ações. Só quando estava no corredor, quase na rua soube o motivo de não olhar. Se olhasse entregaria seu corpo a alma e seria levado por aquela força vazia do vazio. Percebeu estar anoitecendo novamente. Viu o porto, o mar e as últimas manchas solares sobre as montanhas. Agora estava bem e se não estivesse não queria saber.

Um comentário:

José María Souza Costa disse...

Olá, Rafael.

As ruas silenciadas, expõe, o mistério da observação.
Abraços.