sexta-feira, julho 11, 2014

Rachaduras (miniconto) – por Rafael Belo










Não reconhecia nada e estava muito quente. Tudo se movimentava a girar e girava. Ele tinha certeza que aquele João-de-Barro o observava com um brilho de reconhecimento no olhar. Mas, espera como foi parar ali? ... Algo a ver com rachaduras. Não! Silvio Silva se levantou de imediato olhando obsessivamente ao redor.

O pássaro nem se mexeu. O encarava sobre sua asa esquerda fechada. Seu olhar atravessava o mato alto, mas amassado. Local exato onde Silvio despertou. Ele percebeu a força do olhar do pássaro não era só reconhecimento, havia mais naquele olhar do que ele podia encarar. Era uma ação prestes a acontecer. Uma reação...

Silvio vasculhava os escombros e as aves o vasculhavam. Os escombros do lugar que um dia foi seu lar, os destroços que um dia o foram. As aves iam se amontoando como se o barro ganhasse vida. Havia chovido no dia anterior não muito, mas o suficiente para molhar o chão batido e o revirar. Agora eram milhares de Joãos o reconhecendo e culpando do mesmo jeito, com o mesmo olhar.


Ouviu uma revoada e seu coração pareceu correr. Temia algo que só seu íntimo sabia. Silvio também estava repleto de rachaduras. A cada bater de asas ele se sentia rachar. A fissura vinha do chão e parecia o atravessar até ganhar o vazio. Ele não iria escapar. Quando todos os pássaros bateram as asas, Silvio tinha certeza que já não era nada. Milhares de João-de-Barro o levavam no bico de volta para o barro, de volta para casa.

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