quarta-feira, julho 09, 2014

Jornada (miniconto) – por Rafael Belo







Havia tantos ângulos para olhar e ela não queria esquecer nenhum. Imaginava-se enquadrando as imagens. Os indicadores e polegares estendidos formando 90° em quadrados e retângulos. Ora a mão direita em cima, ora a mão esquerda... Depois de um tempo visualizava fotos em qualquer imagem. Pessoas, paisagem tudo dava vontade de registrar e Eliana Capta já nem erguia mais as mãos, mas se perdia em seu olhar fixo às vezes longe, outras perto torcendo e se retorcendo em seus subterrâneos.

Já tentou repetidas vezes a mesma cena e cada imagem era outra sendo repetição. Tantos detalhes, tantas palavras... A vida de Eliana era ela e a máquina digital. Três vezes quase foi enterrada viva. Eliana tinha uma rara catalepsia patológica. Seu corpo poderia ficar dias com um funcionamento tão mínimo e rijo, que nem a morte entrava em um estado cadavérico tão bom.

Se a morte não fazia tão bem, Eliana era a melhor, mas só trabalhava quando e como queria. Gostava de torcer com o olhar para a foto ser a melhor da vida dela e torcia assim por cada uma. Conseguia que saíssem como imaginava, como enxergava de seus subterrâneos. Eliana se misturava tanto aos locais que perdia a identidade, ela reconhecia a imagem a imagem a reconhecia.


Mas ninguém reconhecia a raridade de usa rara doença. Em sua quarta e última crise de catalepsia, a denominação judaica de Eliana ajudaria a ela alcançar o paraíso, quem sabe nas etapas até lá registraria o impossível. Ela estava nas reservas ambientais quando em meio a um grupo teve a crise e o Judaísmo não permite autopsia. Eliana foi direto para o inferno o que significa que seu corpo voltaria ao pó e sua alma sofreria e alcançaria o céu quando fosse o tempo. Enquanto isso, registraria uma nova jornada.

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