sexta-feira, setembro 08, 2017

A viajante (miniconto)





por Rafael Belo

Estou no topo. Aprendi a subir sorrindo até com os pés cortados, os joelhos ralados, as mãos feridas e o coração despedaçado. Minha mente resolvida sabia o tempo de manter esta dor. Olho as cicatrizes sendo absorvidas pela pele, pelo meu organismo tão vivo e viajo pelas possibilidades de me deslocar, de ser livre, de ser o espaço, o lugar... Meu mundo. Se houver desperdício nesta vida, deve ser ficar parado, sem se movimentar...

Esta é minha primeira viagem e há dias não ouço nem vejo ninguém. Por isso, falo alto e rio sozinha... Não! Não estou sozinha! Há tanta companhia ao meu redor. Veja só. Olhe ao meu redor. Sinto-me plena como o vento. Eu era apenas uma sonhadora, um momento, como tantos navegantes encalhados por aí. Agora eu sou a sonhadora, o momento, vivendo meu sonho de conhecer e romper todas as barreiras.

Minha carreira? Quem inventou esta fórmula do sucesso? Este acesso as futilidades, a escravidão pelo dinheiro e a ilusão daquele circo e muito pão? Não. Eu aboli minha escravidão naquele instante no qual esvaziei... Sim, esvaziei minha mochila. Quase nada pesa aqui. Só há roupas leves, um par de calçado e de chinelo extras. Ri dos padrões, fiz piadas com os patrões e agora, vejam só, eu subi.


Estou aqui. Sou o vento, o tempo, a distância, o Nirvana, a iluminação, a meditação me desprendendo das rebarbas ainda tentando me fazer prisão... Sou libertação. Emoção. Este canhão, esta natureza exuberante, estas rochas, este mar... Todo o horizonte navegante na minha embarcação sem fim. Eu sou assim: a mulher mais bela, uma tela em branco, uma janela... O passado, o futuro e o presente neste instante acontecendo junto porque início, fim e meio são um só. Também sou reticências, mistério sem ponto final e este sorriso se formando agora em mim e em você porque aproveitando esta viagem a próxima vai se preparar e a gente nunca vai parar.

Nenhum comentário: