quarta-feira, setembro 17, 2014

Ao mesmo tempo – Rafael Belo


Não estava azul o céu. Onde a vista alcançava estava nublado, fosco e parado. Aonde havia movimento seu olhar não alcançava. Mas, ela se sentia bem. A tranquilidade corria pela sua pele como aquela brisa gostosa das últimas horas da tarde. Deitada na grama, vibrava seu corpo lentamente coexistindo no mesmo espaço de todos os passos e rodas passando por ali, mas limitava sua visão com parte da cabeça recostada nesta árvore.

Urbana acompanhava cada galho e se confortava nas folhas se imaginando escalando a árvore e se entrelaçando folha por folha... As pessoas viam aquela mulher solitária jogada na grama e a cada 20 transeuntes um parava e perguntava se Urbana estava bem. Os demais julgavam que não e alegavam a terem visto usar entorpecentes.

Deitada e subindo na árvore ao mesmo tempo, Urbana estava de cara limpa, mas não fazia comédia, apesar de ser bem-humorada, era seriamente aquela criança livre de outrora. Correndo descalça, pulando nas poças d’água, tomando banho de chuva, sem posicionamento social nem divisões classistas, na escassez das areias movediças acompanhando o vento aonde se menos esperar se debater...


Era um ser que fechava os olhos para ascender os sentidos. Era o possível e o impossível até não ser mais. Mas, se aceitava de uma maneira que aquela velha nova criança liberta não entenderia há 20 anos, porém, agora era parte, era todo, toda ela e mais ninguém e não haveria maquiagem suficiente para transformá-la novamente, mas não abriria mão de cuidar dos cabelos. Isso não! Quando o sol dava seus últimos suspiros saiu de trás das nuvens e trouxe as cores com ele. Urbana olhou para os lados e não estava sozinha. Meninos e meninas de todas as idades voltavam a se perceber, deitados e subindo em árvores ao mesmo tempo.

Um comentário:

Anônimo disse...

Texto e foto lindos.