sexta-feira, setembro 26, 2014

Apreciando a paisagem (miniconto) – Rafael Belo

Estar ali enfrentando o sol de frente sem se preocupar em queimar a retina era libertador. Não só por causa dos óculos escuros, as lágrimas eram incontroláveis e aquele misto de choro e riso, às vezes terminava em tosse. A natureza parecia, como ele, esperar pela primeira vez aquele momento arrebatador onde qualquer traço da noite desaparecia deixando as sombras necessárias levava também os erros, o dia anterior ruim e principalmente os maus pensamentos. Toda a escuridão partia.

Por isso, o choro escorria... O riso se abria... não que Valente fosse igual, ele era diferente, mas todos não eram? Pelo menos enquanto se davam uma importância tamanha e uma sabedoria inalcançável até para Sócrates (é sempre preciso lembrar ser este o filósofo não o jogador), assim todos eram iguais... Na adaptação de humor, na forma de tratar a lei, na interpretação à vontade do próprio contexto, na escuridão insistente nos cantos da boca, na remela permanente dos olhos.

Precisavam saber dos humores alterados do mundo esperando pela primeira vez todos os dias o amanhecer, com a mesma expectativa, as famílias juntando todas as raças na mesma genética como uma resposta do cosmos aos traços aparentemente diferentes, mas na essência e no sangue com a mesma gravidade dos planetas orbitando ao redor do sol para permitir a sobrevivência da vida. Valente sentia renascimentos nos alvos raios desde a alvorada como se o próprio vigor da primeira respiração o soprasse.


Parecia um começo, mas podia ser o fim definitivo ou apenas mais um fim. Só restava buscar um sorriso e admirar um quase último crepúsculo, Valente queria refletir aquele nascente para a humanidade se possível. Acordaria todas os dias antes do próprio dia e se limparia da noite, iluminaria cada escuridão até se sentir a própria luz concentrado e disperso, tão veloz quanto 300 mil quilômetros por segundo e se deixaria também um vácuo... Mas por enquanto iria se esclarecer e apreciar a bela redundância do princípio da aurora.

Nenhum comentário: