quarta-feira, junho 28, 2017

É inevitável (miniconto)



Por Rafael Belo

O nome dela é Girassol. Simples assim. Sem nome sem sobrenome sem gênero. Nasceu mulher. Luta como mulher e não há melhor forma de lutar. Chegou naquela rotatória morta e sentou no meio.  Ela é um relógio sem tempo. Quase não fala. Quase não se embriaga a não ser de silêncios e nadas. Quase não se empanturra a não ser de música, histórias e memórias... Mas quando erra – e isso vem acontecendo com frequência demais – ela se perde. Precisa se afastar para voltar a se encontrar. Ela tem aquele orgulho bobo de todos nós. Pede para o diabo a carregar, pede o chapéu de burro banido fisicamente das escolas e transformado em outros bullyings para procurar seu canto representativo.

Hoje é esta rotatória.  Há uma dúzia de ruas ramificando no dobro disso e a cada vez que se olha e parece o fim os desdobramentos multiplicam por dois este número ou o número final de tudo isso. Girassol respira fundo. Procura o sol pelo horizonte. Esta quase na hora. Ela é a hora. Ela diz ao tempo seus afazeres. Por isso, as ruas não terminam. Elas são solares. Milhares dela caminham diante dos seus próprios olhos. Girassol fecha os olhos para procurar respirar mais fundo enchendo os pulmões deste momento sem deixar de se enxergar como de olhos abertos.

A alvorada começa a aquecer o horizonte e chega o primeiro raio a fronte de Girassol. A própria Alva a veste enquanto ele se embevece. O alinhamento é litúrgico no início e no fim sem nunca terminar. Ela queima como se fosse a própria chama original acesa pela primeira vez. Girassol endireita as costas, larga os ombros, cruza as pernas deixando os joelhos opostos e um triangulo invertido no espaço vazio. Como um megafone e a convergência de tudo nela. Os acontecimentos não se sobrepõem. São paralelos. Uma consequência de fatos estartados já dentro da intenção do pensamento dela.


Assim foram os erros dela. Consequências da intenção, do julgamento... Onde estava o sentimento? Sol, lua, estrelas e nuvens estavam a esperando. De onde estava a vida amanhecia e anoitecia ao mesmo tempo. Girassol começou a rir... Era só mais um erro. O único motivo de haver acertos eram os erros. Ela sabia de seu retorno em breve para aquele ponto dela em particular. É inevitável errar e se olhar bem quem taxa como erro cobra imposto abusivo de nada porque tachar-se é o verdadeiro erro. Este apontar defeitos em si e nos outros... Há humanidade desumana! Ah, desumana humanidade! Rá! Como sou insana. Prometo tomar um caminho diferente a cada erro novo e comer este tempo para alimentar minhas horas. Mas, permaneceu ali desmembrando a nossa noção de tempo e a dela também.

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