por Rafael Belo
Estava toda desmontada. Não era Drag,
puta, louca, normal, boneca... Não era nada além dela. Isso já era muito. Era
demais ser Beliza. Bom, mas não vou falar de mim na terceira pessoa. Eu acabei
com os meus vestígios do passado. Minhas pistas não existem mais.
Desimportei-me quando escutei o silêncio chegar querendo me reinventar. No meio
do tiroteio, só vinham balas de um lado. A minha perdida foi de raspão. Foram
duas na verdade e se tivessem mirado nas minhas orelhas não teriam acertado.
Não sei se é diferente ver as coisas acontecendo, as bocas mexendo e ignorar
por opção como se não houvesse som e este momento.
Falo de poucos minutos do futuro daquele
tiroteio. Agora já terminou. Ainda não escuto nada nem aquele ruído agudo de
fora do ar, de censura... Será possível Alguma Entidade Superior ter me
silenciado? Os tiros vinham só de um lado. Não sei se quem morreu era polícia
ou ladrão. Era uma pessoa. Podia ser eu. Podia ser você... Nem podia ser a vez
dele... É possível furar a fila da morte? Qual música estaria tocando agora se
um filme fosse capaz de reproduzir tantas reviravoltas em tão pouco tempo? Algo
mais sentido e teatral como Ney Matogrosso, Linneker ou Jhonny Hooker... É! J
imagino a canção!
Não sou colecionadora de decepções, não
mais. Caminho apesar das tentativas dos socorristas me levarem para o carro de
emergência. Não devem estar dizendo nada diferente de: você está em choque. Precisa sentar. Precisamos ver como você está.
Venha! Tudo bem? Mas, não os culpo. Eles seguem o procedimento, o padrão, o
planejamento... Não podem me obrigar! Eu continuo andando e pela primeira vez
mentalizo algo. Apago todo o resto, desfoco aquilo difícil de apagar e foco
naquela montanha adiante. Minha audição está voltando, mas aprendi algo novo
quando lidei com o medo da morte. Aprendi a diminuir o volume das coisas
volúveis, fúteis e não me preocupar. Agora o silêncio vem realmente, agora na
minha possibilidade de escutar.
Preciso parar diversas vezes. Não é
cansaço. É espaço. Preciso de espaço. Há conhecidos me seguindo, ligando para
minha família e para meus amigos. Então, me volto para eles sem dizer nenhuma
palavra. Apenas olho nos olhos para mostra minha (in)sanidade recém-nascida e
balançar a cabeça da esquerda para a direita de forma firme e lenta por pelo
menos três vezes. Olha só! Eu sorrio! Gente! Eu sorri! Não sabia da existência
destes músculos. Começo a cantar uma canção desconhecida enquanto corro para
despistar. Peguei uma trilha não usada há tanto tempo. Espero... Bom, ninguém
vai se lembrar dela. Agora cheguei! Tudo isso esteve me esperando e eu me
achando grande. Sou uma criança nova balançando os pés no assovio deste vento. Agora
sim posso dizer: me desmonto. Neste leve remontar há peças feitas para não mais
encaixar.
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