sexta-feira, fevereiro 27, 2015

Próximo papel, por favor (conto)


por Rafael Belo

Em vão as cortinas se fecharam como um raio estourando no vil metal. Fulminante. Figurino bestial da nudez arrepiada em cada olhar glacial. Não era o esperado pelo público. Este deixou de ser respeitável há tempos, por isso quem riu fui eu. Logo depois de cessarem as gargalhadas. Estas subitamente viraram gritos e outras reações de susto. Valeu o custo? Cada centavo... Imediatamente o alvoroço ia e vinha feito musgo dominante. Solução hilariante no momento. Quem estava se divertindo então?!

Foi a solução para tanto estardalhaço das ilusões lá de fora. A vida já não é e ponto. Como não rir com pessoas deslizando, escorregando, se atropelando... Plena comoção. O ápice do teatro. Quero ver quem fica stand-up... Palavras erradas, entonações erradas, expressões erradas, gestos errados, o corpo errado... Enfim... O fim da interpretação... Ainda bem que todas as ações caíram pelo mundo e os preços subiram comprometendo até as próximas cenas do não escrito.

Afinal criar bolhas dentro de bolhas dentro de bolhas... É vistoso, artístico, habilidoso, mas quando estoura a inflação é geral, ou melhor, a inflamação. São encenações atrás de encenações no meio de encenações no fim de encenações que se iniciam ao primeiro despertar, mesmo se ainda estiver dormindo. As tais das intenções sorrateiras, disfarçadas de pãezinhos quentinho da manhã, do aroma salivante do cafezinho recém passado deixa os desavisados, todos nós, em estado de eufórica mudança até a noite chegar e o teto nos encarar... Já foi mais um dia.

Próximo papel, por favor. Saiam todos! Encerrem a cena. Sem direção, ator principal nem figurante. Vamos criar neste instante. É tudo improvisação. Pode se atentar. O teatro agora é a realidade e a realidade vai começar um velho novo espetáculo. Ainda vamos descobrir isso. Ah, vamos! Descobriremos que é preciso tirar qualquer nitidez para enxergar além do talvez e que a lucidez pode não ser tão lúcida assim. Lá fora é tudo mentira, a vida é aqui neste palco e parece que o público entendeu os atos, fez seu teste e vai pedir que não passe de uma trilogia, pois o enredo e os atores estão tão ruins que assumirão eles mesmos os papéis. Assim que conseguirem entrar no personagem...

quinta-feira, fevereiro 26, 2015

Torna-te


o granizo cai nas pessoas de vidro

elas se estilhaçam antes do tempo previsto
juntam-se os cacos juntos no palco do improviso,
fecham-se as cortinas como as nuvens escuras no céu.

mas o ritmo das geladas gotas golpeando a janela
parece trincar todo o vidro restante rasgando ruidosamente
o céu, com cauteloso trovão tão titubeante
seguido do cegante fulminante farol faiscante do raio
ou ao contrário.

Só nós somos páreos...
Mercenários dos erros cometidos de interpretação.

Para entender o outro torna-te a ti mesmo então
ou caia como chuva na cidade em vão.

(Rafael Belo, às 17h48, quarta-feira, 25 de janeiro de 2015).

quarta-feira, fevereiro 25, 2015

suficiente (miniconto)

por Rafael Belo

Tem horas que é melhor não falar e elas são quase todas. Mas já está dito não adianta chorar pela verborragia jorrada. Se era melhor o silêncio? Prefiro não comentar e você também poderia ter optado por esta... Agora escorregou nesta opinião egoísta e segregada e fica na ladainha das desculpas? Você tem culpa. Assuma-a. A verdade é: não ligo. Mas vou manter no pensamento essa verdade porque se ela a ouvir vai achar outras situações não presentes e achar também fica na preferência do silêncio. Nem o corpo diz nada. É a deixa em que tudo se cala.

Sabe nós dois falamos muito, às vezes, sem dizer coisa alguma. Nem sequer somos um casal. Não há as falas clichês, nem algo a nos definir. Aliás, a única coisa definida é a palavra definição no dicionário. Nem sei porque este é o único livro por aqui... Gosto do silêncio e você... Bem você pensa saber o próprio gosto. Eu não sou arrogante, apenas te conheço bem.... Eu? Sabe meu gosto por ser misterioso e minha raiva por interpretações toscas.

Já não sei lidar com ele mais. Ele me irrita... Agora chove lá fora e eu não consigo sequer chorar. Não gosto de interpretar, mas me repito muito sem perceber, isto porque é o que a chuva faz comigo. Eu choro... Lembro bem de antes de nós dois, mas nada decoro. É claro que há nós dois, certo? Lá está ele ao invés de estar aqui. Pode ser... É podemos nos encaixar no perfil de dois estranhos ou dois malucos bêbados...  Definitivamente somos um porre, aliás dois...

Poderíamos nos beber e quem sabe nos encontrar. Um no outro ao mesmo tempo, no mesmo palco. Ele me olha como se estivesse do outro lado deste pensamento, mas porque só olha e fica lá olhando? Não. Ele me conhece. Podemos ser dois pássaros ou quatro... Quem sabe o mesmo saltitando... Talvez seja ele meu orgulho... Somos independentes, mas conseguimos ultrapassar esta deturpada definição. Somos péssimos bons atores, nem sabemos usar estas máscaras rachadas... Sem marcação, sem cortina, mas com ação... Estou indo meu bem e lá vem você também... Ah, como o corpo fala. Tagarela. E nós somos definição suficiente, sem atuação. Esqueça as próximas cenas, direçãoooo.

terça-feira, fevereiro 24, 2015

Lambida na testa

dilacerando as lâminas esquálidas

a inutilidade metálica interpreta seu papel de sangue
e jorra das afiadas línguas uma nova interpretação

a comoção chora um palco inteiro
e a bota pisa um futuro rosto inchado

diante de um levante hortifrutigranjeiro
adiante novamente o relógio parado

o paradeiro das lágrimas corre o dia trancado no banheiro [sem porta]

escorrem todas as cores dos tinteiros, até o sinaleiro se revolta
repetindo verde amarelo vermelho sem importar a ninguém

levanta a cabeça quase pra cima, entorta, fragmentos de frestas, muitas sobras, tanto resta, lambida na testa.

(Rafael Belo, às 22h26, segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015).

segunda-feira, fevereiro 23, 2015

Fragmentos tardios

por Rafael Belo

Vêm se repetindo nossas escolhas como história mal contada. Uma decoração inexistente de uma festa já sem sentido de ser comemorada porque já decoramos nossos atos, nossas falas e ... Nada. Continuamos a achar outros culpados pelos caminhos tomados por nós, pelos erros que cometemos no palco interpretados por eus imitações. Quem são estes eus? Temos papéis? Os misturamos? Nossa atuação não parece merecer aplausos, mas batemos palmas para não chorar dos preços subindo...

Vamos nos partindo em migalhas e rezando para ninguém comer o nosso pão, já que não o comemos e o utilizamos para marcar o caminho de volta... Há volta ou precisamos de uma reviravolta e começar algo novo? Somos fragmentos tardios assistindo ao telejornal, lendo as webnotícias e nos enchendo de clichês retornando a pergunta nunca feita em voz alta: como viemos parar aqui?

Não há outra maneira de pararmos em algum lugar a não ser por nossos próprios passos, mas não sabemos mais qual é o pé direito. Temos o direito de ficar calados até a água acabar, até a chuva chegar, até nos deixarmos enganar porque é mais fácil do que corrigir a coluna torta e seguir fingindo que a corrupção é recente como as guerras religiosas do outro lado do Atlântico...

Qual o próximo papel a ser interpretado? Quais as próximas máscaras quebradas no bolso bem na hora da ação? Somos próximos de nós mesmos ou ignoramos as mesmas cenas passadas diante dos nossos espelhos ou diante de tantos pedaços despedaçados diretamente nos nossos rostos enquanto George Orwell nos repete sua visão de futuro rindo dos nossos braços cruzados: se queres uma visão do futuro, pense numa bota pisando um rosto humano – para sempre. Então, o fazemos. Inclinamos a cabeça por entre as frestas que nos impedem de ver e lambemos nossas feridas ao invés de nos fortalecer.

sexta-feira, fevereiro 20, 2015

Aperitivo noturno (miniconto)


por Rafael Belo

A insônia era um aperitivo diário. Começava depois das 22h e se não fosse forçada a ir embora seguia caninamente fiel até a claridade voltar. Um incômodo noturno, companheira indesejada invadindo a casa, o corpo e se esparramando na sala enquanto o mundo silenciava e dormia. Parecia a mente quieta, mas eram tantas camadas que na verdade ela gritava do fim da noite até o fim da madrugada e este não era o fim. O pior continuava quando clareava.

Havia algo naquele apartamento novo e com certeza não eram a falta de móveis. Eles estavam ali à maneira Feng Shui, mas parecia ser tudo impróprio, pois ventava o tempo todo e haviam... Estranhas sensações... Sabe? Quando o lugar parece não ter ido com nossa cara? Então... O efeito neles era ao contrário. Ela dormia rápido, ele não dormia. Ela inventava desculpa, ele já não sabia mais inventar nada para conseguir dormir...

Mas ele não queria chateá-la, então omitia. As portas batiam e ele tremia. Vinham os mais variados sons de cima e de baixo, afinal eles estavam no décimo terceiro andar de incríveis 26... Era a sexta-feira 13 anterior. Sexta-feira 13 de carnaval. Quanta folia, ele pensava. Uma semana sem dormir e ele já surtava ou já estava surtado e não sabia? Ele e olhava para ela cada vez do inexplicável, principalmente quando a luz do quarto pensava ser flash de câmera de estúdio fotográfico e insistia e piscar como se tivesse em uma tempestade de areia na noite congelante do deserto. Ela ainda caída no sono.


Ele era só mais um louco, mas ninguém sabia. Ela era a sanidade. A verdade era fantasia e a fantasia era subestimada. Só a noite era realidade e, se havia algo físico identificando isto, quem nela ficava já sabia quem enlouquecia e quem estava prestes a enlouquecer. Finalmente o ano novo começava. Era 2015, graças a Deus... Ela acordava, afinal, ele podia dormir e definitivamente voltar ao normal. "Ora" ela era o Despertar, "ora" ele era a Insônia, estava na hora de trocar. O pássaro iria pousar. O equilíbrio do feminino e masculino voltava a trocar de lugar.

quinta-feira, fevereiro 19, 2015

chão seco




No chão de folhas secas me camuflava
saltitava feito passarinho em folia
tirando folga do restante da passarada

não precisava das minhas asas para ser o céu
não perdia os sentidos, os amplificava

onde tamanho não importava era o próprio arranha-céu
mas não arranhava nada, só passava

nada de passinho em passinho passar passarinho
passados passarão antes de todos que passam

imagino um corpo sem posses sem passos sem passes
pois posso passar rapidinho ou deixar o infinito chegar.


(às 00h40, Rafael Belo, quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015).

quarta-feira, fevereiro 18, 2015

Dois pássaros em um (miniconto)


por Rafael Belo

Chovem cinzas compulsivas nesta quarta-feira. A beira de um abismo balança, desequilibra, embaça a vista e engole a cidade de ressaca. Parecer ser inteira, mas é de gole em gole até a virada. Não há mais desculpas nem nada. Pela primeira vez se ouviu pouco o “fato” do ano começar depois do carnaval, mas o dizem. Neste dia pela metade não há verdades. Não há meios e aqui, ela e ele, deixaram de tentar ser inteiros. No mais alto ponto paulistano, eles jogaram os panos. Vão cumprir o pacto.

O ato no antigo Mirante do Vale, na avenida Prestes Maia, hoje chamado de Palácio Waldomiro Zarzur era o número deles. Eles estavam a 170 metros do chão, prestando atenção e, às vezes, balançando os pés. Até pensaram no famoso Edifício Itália, mas dois metros os fizeram mudar de opinião. Além disso, eles eram as sobras da Geração X. Talvez os únicos vivos a saberem do segundo incêndio mas fatal depois do histórico ocorrido no Edifício Joelma. O Palácio Zarzor Kogan, primeiro nome do Mirante, ainda chamuscava neles.

Fizeram suas juras de Amor e indignação naquele ponto mais alto, mas o tamanho já não era o mesmo. Nos anos 1970 havia mais andares e eles estavam no último. Não havia terraço na época. Eles sobreviveram e ninguém vivo mais (talvez) saiba desta história. Estava queimado na pele o pacto feito por lá e eles cumpririam. Para eles nunca houve morada fixa, muito menos física. Eles estavam um no outro como as cinzas lembranças deste dia.

Agora com todos os panos descendo lentamente naquele vendaval anunciando mais tempestades brasileiras, eles tremiam. Estavam nus e percorreriam a cidade enquanto a ressaca ocupava até os policiais mais honestos. Não queriam chorar, a vontade era apenas provar que a hipocrisia tirava a fantasia e se escancarava novamente depois do carnaval. E no terraço do mundo deles eram dois pássaros em um. Há muito estavam voando. Aquelas únicas almas duplas queriam ensinar a voar. Só nas asas, não haviam penas. Não havia nada que os cobrisse ou escondesse. Não mais.

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terça-feira, fevereiro 17, 2015

Foli(lhe)ando




Foi lá foliar folheou fisicamente
a folia latente dos invisíveis
eram rostos bonitos desaparecidos
nas páginas maquiadas de falsos livros

eram folhas ventadas de um jeito esquisito
fantasiadas de vontades guardadas
ou tudo não passava de seis dias de equívocos

um carnaval embriagado para ser divertido
dividido entre uma folga de si mesmo...
E a perda dos sentidos.

(Rafael Belo, às 13h44, segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015).

segunda-feira, fevereiro 16, 2015

Será folia? – por Rafael Belo


Falta luz, falta água, moradia, transporte digno, preços justos e acessíveis, infraestrutura, vergonha na cara, sobram impostos, ferida que não sara, e demais tributos no meio do caos generalizado do nosso Carnaval. Não importa a origem do dinheiro, este bacanal, o brasileiro precisa extravasar... Necessita do turismo sexual explícito e velado, para acalmar, afinal para explicar qualquer coisa basta dizer: É Carnaval.

A maior festa do planeta como a Copa do Mundo, aproveita, e as Olimpíadas bancadas por todos os brasileiros, “sem qualquer” prejuízo financeiro, só vantagem aumentando um pouquinho a malandragem e nossa querida corrupção do dia-a-dia nacional. Por isso, precisamos da folga, esta velha folia constantemente nova para nossa alegria. Porque o pão e circo nunca vai acabar...

Aliás, folia é isto. Uma folga ruidosa, um divertimento, uma brincadeira, farra jocosa? ... Mas, na beira do precipício é ver a global cobertura carnavalesca, bela sim, criativa sim, mas a que preço? Ver jornalistas padecerem nas piores perguntas forçadas, descerem na avenida lotada e “perguntar” para a gente “enfoliada” questões esvaziadas enquanto os analistas, especialistas se repetem nos profissionais comentários... Como bêbados inflamados a correr de olhos vendados.


Mas, quem não gosta de descansar e se divertir? Estar um efêmero ser amado? Não importa o preço, o porvir. A festa da carne é o fim para um recomeço quando o ano começar. Gostaria de ser mais nostálgico e recordar com sorriso bobo, mágico dos bailes de carnaval aos quais meus pais me levavam, dançávamos marchinhas e enredos de escolas de samba, mas nós, gente bamba, vamos cair no axé, no samba e nos embebedar porque carnaval, futebol... não mata, não engorda e não faz mal... Assim a vida é. Será?

domingo, fevereiro 15, 2015

Improvisando (resenha do livro vidas provisórias) por Rafael Belo


É bárbara a forma como vivemos o paulatino cotidiano neste constante viver provisório. Bárbaro nos dois sentidos pela liberdade e opressão confusos em seus significados. Provisório porque assim a nossa vida é, a não ser que pratiquemos boas obras repercutindo na eternidade, nossa própria Odisseia, nossa própria Divina Comédia. Vidas Provisórias de Edney Silvestre é um destes ecos para o futuro.

Paulo e Bárbara são forçados a viver vidas provisórias. Um pela ditadura dos anos 1970 e outra pelo Governo Collor, em 237 páginas,publicadas pela editora Intrínseca, difíceis de nos largar e nós largarmos elas, com uma narrativa surpreendente. Um é obrigado familiarmente a sair do país em uma perseguição nada provisória do Chile à Suécia e outra vai ser empregada de brasileiros nos Estados Unidos. Vão vivenciar vidas violentamente diferentes e frutos do que não fizeram. Levados ao limite, órfãos de um Brasil feito de desconfiança e dor nos mostrando a visão do "exilado ilegal".

Lá fora não são eles mesmos. Não possuem a mesma identidade. Estão em conflito interno. São provisórios e vivem desta maneira: provisoriamente. Estrangeiros chegam aos países distantes da realidade que lhes machucou de forma abrupta e têm tudo mudado constantemente, pois nada é definitivo. São assombrados pelos fantasmas brasileiros vivos e mortos podendo chegar até elas ou as ignorar. Bárbara e Paulo estão solitários, mas dificilmente sozinhos.

Nesta solidão que nada, Silvestre nos acolheu e se mostrou uma revelação fantástica da nossa literatura com uma abrangência mundial repleta da capacidade de qualquer pessoa se reconhecer em algum momento naquelas vidas provisórias e, quem sabe, não se identificar improvisando seu dia-a-dia sobrevivendo longe do desejo de viver, vendo o desejo possível de ser alcançado, mas preso naquele improviso supostamente temporário.


EXPATRIADOS, separados no tempo e na geografia, Paulo e Barbara compartilham, além da experiência do exílio, o estranhamento pela perda de suas identidades, o isolamento e a sensação de interrupção do curso normal de suas vidas. Diferentes motivos os levam ao estrangeiro. Em 1970, Paulo, perseguido pela ditadura militar, é preso, torturado e abandonado sem documentação na fronteira, de onde segue para o Chile e depois para a Suécia. Barbara, com uma identidade falsa, deixa o país para trás em 1991 — durante o governo Collor —, fugindo de um rastro de violência, e se instala nos Estados Unidos como imigrante ilegal.


terça-feira, dezembro 02, 2014

Verdadeiras portas

Estão bifurcados os caminhos do amanhecer. Vai neblinando a cabeça vestida com outras peles.

Os portões estão apenas encostados separando todo o colorido do porvir,
querendo rasgar as vestes que não nos pertencem, o acontece da realidade e as aparências enganadas se vão.

Pela independência gritada assustando a liberdade para outra personalidade morta de imitação.

Individuais cópias coletivas casuais não possuem sequer dois divididos dedos iguais.

Agem como não agimos, pensam como não pensamos... Ah, nós humanos, ainda com medo dos verdadeiros portais do Amar, vão se recostar no sofá... Até sentir o mundo girar e poder lacrar as portas.

(Rafael Belo, às 07h37, terça-feira, 02 de dezembro de 2014).

segunda-feira, dezembro 01, 2014

Sob a pele do outro – Rafael Belo


Na maior bifurcação do mundo ninguém mais se mexia. Estavam todos parados, mas de repente alguém vindo de outra via cruzava entre as multidões, escolhia o caminho e seguia.  Seguiam muitos atrás apenas pela postura e a confiança nos passos. Parece ser assim hoje em dia, no entanto nada mudou sobre o engano das aparências e delas enganarem.

O respeito desceu para áreas mais ao sul e o norte tem sido solitário e inóspito para quem chega até ele. Há uma tentativa constante de despersonalização da pessoa, disfarçada de independência, liberdade e construção de personalidade. Não é claro que a independência é ter autonomia para fazer o bem entendido por si bancado pelas próprias finanças e liberdade é a ponta do iceberg, um sentimento de uma emoção particular de cada um. Até vir o Titanic diário desafiando tudo e todos garantindo não afundar...

Neste caso do indivíduo, eu vejo cópias coletivas o tempo inteiro... Como um par de asas idênticos de borboletas que pousam e precisam do mesmo impulso e força nas duas asas para voltar a voar. Não são idênticas... Há assimetria em toda parte e em grande parte de nós mesmos.

Afundadas em pensamento e atitudes parecem réplicas de uma programação inserida no nosso cérebro. Um grande ensaio de como viver e morrer. Há um julgamento constante do outro, do próximo sempre baseado em si mesmo e em “exemplos”. Se ele pensa diferente da gente está errado, se ela não faz o que faríamos não está certo...


Não somos ninguém para dizer às pessoas como devem pensar e agir! Não vestimos a pele delas, não estamos sob as situações terminadas, ou terminais, parcialmente responsáveis pelo caminho culminando na forma que a pessoa está. O que sabemos afinal, além de apontar o dedo e criticar?  Não estamos falando de lei, moral ou ética e sim de criar instantâneos anjos e demônios.  Respeitar o direito de todos de ser e estar não é aceitar ou ser conivente é finalmente aprender a Amar.

sexta-feira, novembro 28, 2014

Vontade viva (miniconto) – Rafael Belo



Estava oculto o sujeito em ambos. Entre as coisas e amores. Eles não entendiam quem era ela e quem era ele... Olhavam ao redor sem entender tantas metáforas. Eram folhas verdes, folhas secas, folhas ao vento e folhas em decomposição. Flores inteiras, despetaladas, coloridas, desbotadas, flores vivas em aromas e perfumes de recordações. Eram cheiros corriqueiros de lembranças e devaneios de dois estrangeiros nascidos naquela sociedade de janeiro.

A comunidade era ambos e, apesar do artigo feminino, não tinha sexo definido. Caia nas graças do amor minúsculo com adjetivo maiúsculo, apenas para alimentar a sentimentalização da prisão. Os ocultos cultivavam o vulto da esperança com sorvete de toda espécie e chocolate da desmotivação, mas massas e comidas rápidas também eram bem-vindas, assim como abstinência total de alimentação.

Ele não era ela nem ele. Ela não era ele nem ela. Eram formas definidas alimentadas de dias iguais os esperando diferentes. Eram esquizofrenias da deturpada imaginação da sociedade e da família. Crias criadas para perpetuar. Folhas caídas, flores partidas por falta de adaptação. Não eram pessoas perdidas, apesar das formações machistas e patrimoniais, a vida inteligente aconteceu por lá. Havia conteúdo desenvolvido repleto da palavra proibida: ideais.


Às vezes eram duas dúzias doídas de um casal, outras o própria ideal e um céu azul de poucas nuvens. Não estavam ocultos de fato, o sujeito e a sujeita.  Duas pessoas em liberdade condicional de vidas acumuladas de entulho muito emocional. Só estavam dispostos a lutar quanto a ambivalência do tal “bem e mal”. Não eram reducionistas. São experimentos de si mesmos querendo o próprio melhor. E se isto não é casamento... A lâmpada, a energia, a vontade, a paciência e muita criatividade não são luz.

quinta-feira, novembro 27, 2014

alterados recomeços



o aroma  fica estendido depois do ir das mãos,
o sol é um lampejo tardio
de tantas folhas acumuladas na sensação.

Entre as nuvens acendendo e apagando
esta lâmpada do nosso universo,
As dores fecham os vãos da alma
e acalmam o desequilíbrio,

em alto reverso.
Um autorretrato do ato de oferecer flores ao desconhecido...
E recomeçar um mundo alternativo.


(Rafael Belo, às 07h, quinta-feira, 27 de novembro de 2014).

quarta-feira, novembro 26, 2014

Alamandas (miniconto) – Rafael Belo



Choviam pétalas secas, mas amareladas e o perfume ainda se continha sem careta na discreta aromatização intrincada. Vieram logo após a normal chuva enxovalhada. Por isso, grudavam por toda pele. Ele e ela curtiam sem entender. Eles estavam pelados, um de cada lado, e foi um “achado” serem cobertos pois já passavam frio. Nos sabores do bater do queixo por toda arcada dentária. Eram duas flores.

Amores despetalados, porém inteiros, se revolviam como em braseiros, enquanto os dois não se resolviam se teriam pudores e se esconderiam ou se seriam encontrados naquele desafio com todos os arrepios da água gelada. Nada faltava. Não havia nenhuma queda. Estavam errados nos despudores, mas livres em suas formas singelas. Olharam para cima... Trincadas janelas cobertas de telas repletas das amareladas flores.

Alamandas Amarelas foram tomadas pelo vento em dissabores. Senhores, aliás senhora e senhor de si, eram divisores das próprias águas. Aproveitaram a nudez para se livrarem das mágoas e aquela chuva de vento e flores revelava a primavera toda em um prédio daquela altura. Uma floricultura sem fim. Assim, eles abriram espaço na própria estrada e marcavam fundo seus passos.


Fossem fósseis favoreciam os arqueólogos do futuro a desentender os corações passados com pitadas sugestionadas de dor sem pretender. Nas mãos estendidas bem avisadas um para o outro havia algo indolor. Nada de ferrão de abelha que fica e mata a alheia dona da ferroada em vermelha cor. Mas mais mesmo como a picada da vespa, popular marimbondo, provoca o tombo. Quem é picado levanta, quem pica segue picando assombrando aqueles ainda desaprendidos de cair. Ele e ela, os pelados, querem fazer chover pétalas perfumadas em todo lugar. Vão transformar todo prédio abandonado em uma primavera permanente no ar.

terça-feira, novembro 25, 2014

mãos estendidas

pétalas desbotadas se espalham pelo chão, ventos sopram senis sentimentos amarelos, não se sabe mais sobre ser velho... Houve um tempo onde as cores ultrapassavam a intenção.

Saber selecionar sabedoria em meio a seleção de frases é encontrar certas fases incontáveis  setedecilhões de palavras por segundo no Google, ou traduzir um grito gago de um surdo chinês durante um decisivo gol...

Mãos da insensatez devolvem às arrancadas pétalas de mal e bem-me-quer para acabar com todo triturado talvez e as flores voltam oferecidas sem extensão de dor.


(Rafael Belo, às 07h45, terça-feira, 24 de novembro de 2014).

segunda-feira, novembro 24, 2014

Perdendo a cor – Rafael Belo

Pétalas amarelas são perfeitas até na imperfeição. Juntas formam a flor e o perfume contrastando com o verde como um desmaio de olhos abertos. É um sair de si e ser outra pétala desta mesma primavera neste botão aberto. Sair de si e ser outras possibilidades é se dar a liberdade de imaginar e poder ser todos os seus dons. Perder o tom e desafinar a vida é um caminho a ser percorrido.

Como saber a afinação e o dom sem sabermos a desafinação e aquilo com o qual não temos afinidade? Perdoar-se e o outro pode variar entre o grave e o agudo, mas deixar a ignorância ganhar nuances de drama é perder por desistência ou simples ausência. Não podemos vestir este traje da depressão, vale mais o desapego. Temos de estender a mão e nos despir de preconceitos.

Mas ficar nu e ostentar a magreza com adornos de adoradores do corpo malhado é aquela velha história de chover no molhado, de usar flores para disfarçar o cheiro de decomposição. Talvez da nossa consciência iludida, dos nossos óculos corretores da miopia e do astigmatismo, mas com lentes da fantasia. Usando da brincadeira e da ironia, ou melhor sarcasmo, para humilhar e ofender dizendo com outras palavras o que queria dizer.


Proporcionando dor em si e no próximo é se despetalar, desbotar e acelerar a própria decomposição. Sem cor e sem odor a vida vai ficando sem graça e realmente começa a doer. Não podemos ignorar a dor alheia, mas precisamos acabar com nossa dor, encontrar nossas cores originais e saber mudar de pétala se preciso for. Então, nossas mãos se estendem naturalmente até parar de doer.

sexta-feira, novembro 14, 2014

Tateando a escuridão (miniconto) – Rafael Belo


Com os braços esticados se atirava no impulso do vácuo vacilando passos e mente. Estava toda dormente como se não circulasse sangue mais sob a pele. Sentia-se cinza em um mundo colorido e não, não era destaque... Parecia carregar todos os quilos do planeta e se curvava no que se revelaria um quarto-inteiro de infinitos. Tentou um grito e tudo que conseguiu foi o agito dos pobres lábios e da língua, além de vermelhidão no pescoço e no rosto, devido ao esforço.

Deslizando os dedos pela superfície para decifrar pelo tato é... Era realmente um quarto gelado, morto, suposto... Não era possível identificar. Talvez nem parede fosse porque como poderia se movimentar? Tocou os olhos para se certificar. Estavam lá. Não, não eram dois buracos negros sugando o lugar. Poderia ter voltado no tempo e estar em Além da Imaginação... Teria perdido a visão? Tocou de novo os olhos para saber se estavam abertos ou fechados. Estavam abertos e quase não piscavam. Caiu...

Agachada começava de quatro a caminhar com a cabeça inchada de tanto bater em qualquer objeto que deveria apenas esbarrar. Joelhos e mãos raladas até não mais aguentar, então como um fuzileiro se movimentar. Antebraço, cotovelo, joelho, canela e pé até ser só dedos, palma, punho, antebraço, cotovelo e no fim se contorcer com o peitos e coxas. Um pouco depois do fim, rasteja com movimentos de convulsão, mas pela sensação para onde vão?


Um pouco de força veio como energia e forçou o queixo e o pescoço para frente... De repente... Acordou no meio da noite a pessoa pensando estar acabada, morta, enterrada em seus maus pensamentos. A pessoa estava viva, pelo menos assim imaginava. Outra energia oscilava e revelava a mais escura das madrugadas. A energia faltara agora voltava. Estava cercada de um beco com uma rua sem saída cheia de irregularidades fachadas. Mais a frente outras portas próximas da calçada e muitas distantes. Esteve o tempo todo acordado. A escuridão total é parecida com a morte, mas talvez seja igual.

quinta-feira, novembro 13, 2014

O que fazer?!


a aparência estava à beira da morte,
morreu na ignorância resort
cheias de gatos de luz, sua iluminação roubada
era para um morto ambulante espalhando pus

nada tinha a ver com azar ou sorte,
voar fora da asa alheia “não que importe”
é nunca sair da gaiola nem com a mente
sem ser forte nem na palavra, encravada, indigente itinerante, arrancando devagarzinho os braços dos passarinhos
e fingindo saber o que fazer com as asas.

(Rafael Belo, às 07h38, quinta-feira, 13 de novembro de 2014).

quarta-feira, novembro 12, 2014

Morreu a morte (miniconto) – Rafael Belo


Ele chegou no fim da rua e olhou para o céu, nenhum terminava ali, ambos continuavam. O horizonte é infinito e, por enquanto, não há nada mais longo. Ele pensava, então, se seu fim não era uma vírgula, uma pausa para respiração... Teve medo de ser apenas o suspense das reticências, algo vago e assustador por si só. Tocou-se como quem procura dinheiro perdido e constatou estar mesmo ali. Teria morrido, ou melhor, sobrevivido?

Pensando bem ele sempre foi bem morto. Arrastava-se pelas sombras, mancava calado, era uma poesia desgastada com rima forçada e olhar para fora... Ora, quando olhou para dentro se acendeu. Via prova que para sair é preciso primeiro entrar. Mas, bem naquela hora acontecia uma clandestina desova. Alguém dera em um cavalo uma sova e o jogava bem nele. Ele temia a morte e agora a via.

Havia uma glória retórica introdutória e ele apagou... Como uma fraca chama na tempestade de vento. Não acompanhou a visão e nem lembrou, se assustou quando acordou e ainda naquele primeiro parágrafo persistia no tema dilema: sobrevivência ou morte? Testou sua respiração. Ele não sabia se precisava nascer ou de ressuscitação. Prendeu-se a um verso secreto entoado em sua Alma.

Com calma levantou. Ele não havia morrido porque para morrer basta estar vivo e ele tinha certeza de não ter vivido ainda. Como queria a ida para a eternidade, precisou ficar à vontade, pois na leviandade praticada não era nem zumbi quanto menos nada. Precisava pegar palavras e tentar significar seu sangue. Este precisava derramar sem intenção de salvar ou condenar. Foi para a esquina anunciar em cartaz com sua escrita em sangue: Está morta a morte, morra e viverá.

terça-feira, novembro 11, 2014

para quem não sabe


se o poeta não sorri, não revela rima,
sua sina o prendeu na gaiola e jogou a porta fora,
não há como sair, poeta sem poesia não há de existir

engaiolado talvez partir, já que seus versos não estão mais por aí
e os que foram já não o são mais, se foram sua língua e suas mãos
sua imaginação definha, quem sabe imagina a si mesma livre do corpo, liberta da mente, no absurdo desta gente
não saber que a morte é parente, íntima de todos
e a carne é ínfima... Diante do tamanho da Alma

enquanto os passarinhos passam passinhos para quem não sabe voar.


(Rafael Belo, às 07h31, segunda-feira, 10 de novembro de 2014).

segunda-feira, novembro 10, 2014

Basta viver – Rafael Belo

Há um caminho entre o fim da rua e o fim do céu, pelo menos lá aonde a vista alcança. No horizonte está timbrado nosso caminho e olhar para esta harmonia nos alinha, nos faz olhar de volta para dentro de nós. Como se nós fôssemos o tal abismo tentando encontrar olhares. Esta olhada interna pode ser poesia ou um despertar para a necessidade de rimar o mundo, não com finais iguais, mas com a sonoridade da calma.

Paciência se adquire no caminho antes de chegarmos lá aonde o olhar alcança por que está morto quem vive temendo a morte. Cambaleia feito zumbi quem não compartilha, quem não trilha sem julgar, aqueles que preferem se alimentar de outros cérebros, outras carnes para fingir viver. Não vive quem idolatra tantos falsos ídolos na histeria da deturpação de dons transformando talentos em tormentos e imitação.

Há um enjaulado sofrimento livre em nossas paredes feito de um sangramento coagulado. Nosso sangue derramado em vão é um cortar os pulsos em inconscientes impulsos de um suicídio invisível diante dos olhos de todos. Estamos morrendo despedaçados por nós mesmos e quando choramos são as lágrimas da alma, talvez a única consciente da quantidade de pedaços desfeitos por falta de uso ou abuso da má-utilização.


Porém, por mais que a palavra seja reciclar, descartamos simbologia e produto final para termos o novo seja lá qual for. Morrem as palavras com significação, as esvaziamos e apenas as repetimos sem pensar. Estamos mortos, pois perdidos. Somos mímicos fazendo sombras de outras luzes. Não nos damos ao trabalho de encontrar a poesia da nossa Luz e iluminar, brilhar. O problema não é o medo e sim nossa covardia de acreditar na poesia e de tudo aquilo vindo da Palavra, do Verbo, pois se somos do Verbo, somos rima, versos divinos onde quem morrer vive, basta viver.