sábado, fevereiro 28, 2015
sexta-feira, fevereiro 27, 2015
Próximo papel, por favor (conto)
por
Rafael Belo
Em vão as
cortinas se fecharam como um raio estourando no vil metal. Fulminante. Figurino
bestial da nudez arrepiada em cada olhar glacial. Não era o esperado pelo
público. Este deixou de ser respeitável há tempos, por isso quem riu fui eu. Logo
depois de cessarem as gargalhadas. Estas subitamente viraram gritos e outras reações
de susto. Valeu o custo? Cada centavo... Imediatamente o alvoroço ia e vinha
feito musgo dominante. Solução hilariante no momento. Quem estava se divertindo
então?!
Foi a solução
para tanto estardalhaço das ilusões lá de fora. A vida já não é e ponto. Como não
rir com pessoas deslizando, escorregando, se atropelando... Plena comoção. O ápice
do teatro. Quero ver quem fica stand-up...
Palavras erradas, entonações erradas, expressões erradas, gestos errados, o
corpo errado... Enfim... O fim da interpretação... Ainda bem que todas as ações
caíram pelo mundo e os preços subiram comprometendo até as próximas cenas do
não escrito.
Afinal
criar bolhas dentro de bolhas dentro de bolhas... É vistoso, artístico,
habilidoso, mas quando estoura a inflação é geral, ou melhor, a inflamação. São
encenações atrás de encenações no meio de encenações no fim de encenações que
se iniciam ao primeiro despertar, mesmo se ainda estiver dormindo. As tais das
intenções sorrateiras, disfarçadas de pãezinhos quentinho da manhã, do aroma
salivante do cafezinho recém passado deixa os desavisados, todos nós, em estado
de eufórica mudança até a noite chegar e o teto nos encarar... Já foi mais um dia.
Próximo
papel, por favor. Saiam todos! Encerrem a cena. Sem direção, ator principal nem
figurante. Vamos criar neste instante. É tudo improvisação. Pode se atentar. O teatro
agora é a realidade e a realidade vai começar um velho novo espetáculo. Ainda vamos
descobrir isso. Ah, vamos! Descobriremos que é preciso tirar qualquer nitidez
para enxergar além do talvez e que a lucidez pode não ser tão lúcida assim. Lá fora
é tudo mentira, a vida é aqui neste palco e parece que o público entendeu os
atos, fez seu teste e vai pedir que não passe de uma trilogia, pois o enredo e
os atores estão tão ruins que assumirão eles mesmos os papéis. Assim que
conseguirem entrar no personagem...
quinta-feira, fevereiro 26, 2015
Torna-te
o
granizo cai nas pessoas de vidro
elas
se estilhaçam antes do tempo previsto
juntam-se
os cacos juntos no palco do improviso,
fecham-se
as cortinas como as nuvens escuras no céu.
mas
o ritmo das geladas gotas golpeando a janela
parece
trincar todo o vidro restante rasgando ruidosamente
o
céu, com cauteloso trovão tão titubeante
seguido
do cegante fulminante farol faiscante do raio
ou
ao contrário.
Só
nós somos páreos...
Mercenários
dos erros cometidos de interpretação.
Para
entender o outro torna-te a ti mesmo então
ou
caia como chuva na cidade em vão.
(Rafael
Belo, às 17h48, quarta-feira, 25 de janeiro de 2015).
quarta-feira, fevereiro 25, 2015
suficiente (miniconto)
por Rafael Belo
Tem horas que é melhor
não falar e elas são quase todas. Mas já está dito não adianta chorar pela
verborragia jorrada. Se era melhor o silêncio? Prefiro não comentar e você
também poderia ter optado por esta... Agora escorregou nesta opinião egoísta e
segregada e fica na ladainha das desculpas? Você tem culpa. Assuma-a. A verdade
é: não ligo. Mas vou manter no
pensamento essa verdade porque se ela a ouvir vai achar outras situações não
presentes e achar também fica na preferência do silêncio. Nem o corpo diz nada.
É a deixa em que tudo se cala.
Sabe nós dois falamos muito,
às vezes, sem dizer coisa alguma. Nem sequer somos um casal. Não há as falas clichês,
nem algo a nos definir. Aliás, a única coisa definida é a palavra definição no
dicionário. Nem sei porque este é o único livro por aqui... Gosto do silêncio e
você... Bem você pensa saber o próprio gosto. Eu não sou arrogante, apenas te
conheço bem.... Eu? Sabe meu gosto por ser misterioso e minha raiva por interpretações
toscas.
Já não sei lidar com
ele mais. Ele me irrita... Agora chove lá fora e eu não consigo sequer chorar. Não
gosto de interpretar, mas me repito muito sem perceber, isto porque é o que a chuva faz comigo. Eu choro...
Lembro bem de antes de nós dois, mas nada decoro. É claro que há nós dois,
certo? Lá está ele ao invés de estar aqui. Pode ser... É podemos nos encaixar
no perfil de dois estranhos ou dois malucos bêbados... Definitivamente somos um porre, aliás dois...
Poderíamos nos beber e
quem sabe nos encontrar. Um no outro ao mesmo tempo, no mesmo palco. Ele me
olha como se estivesse do outro lado deste pensamento, mas porque só olha e
fica lá olhando? Não. Ele me conhece. Podemos ser dois pássaros ou quatro...
Quem sabe o mesmo saltitando... Talvez seja ele meu orgulho... Somos
independentes, mas conseguimos ultrapassar esta deturpada definição. Somos péssimos bons atores, nem sabemos usar
estas máscaras rachadas... Sem marcação, sem cortina, mas com ação... Estou
indo meu bem e lá vem você também... Ah, como o corpo fala. Tagarela. E nós
somos definição suficiente, sem atuação. Esqueça as próximas cenas, direçãoooo.
terça-feira, fevereiro 24, 2015
Lambida na testa
dilacerando
as lâminas esquálidas
a
inutilidade metálica interpreta seu papel de sangue
e
jorra das afiadas línguas uma nova interpretação
a
comoção chora um palco inteiro
e
a bota pisa um futuro rosto inchado
diante
de um levante hortifrutigranjeiro
adiante
novamente o relógio parado
o
paradeiro das lágrimas corre o dia trancado no banheiro [sem porta]
escorrem
todas as cores dos tinteiros, até o sinaleiro se revolta
repetindo
verde amarelo vermelho sem importar a ninguém
levanta
a cabeça quase pra cima, entorta, fragmentos de frestas, muitas sobras, tanto
resta, lambida na testa.
(Rafael
Belo, às 22h26, segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015).
segunda-feira, fevereiro 23, 2015
Fragmentos tardios
por Rafael Belo
Vêm se repetindo nossas
escolhas como história mal contada. Uma decoração inexistente de uma festa já sem
sentido de ser comemorada porque já decoramos nossos atos, nossas falas e ...
Nada. Continuamos a achar outros culpados pelos caminhos tomados por nós, pelos
erros que cometemos no palco interpretados por eus imitações. Quem são estes
eus? Temos papéis? Os misturamos? Nossa atuação não parece merecer aplausos,
mas batemos palmas para não chorar dos preços subindo...
Vamos nos partindo em
migalhas e rezando para ninguém comer o nosso pão, já que não o comemos e o
utilizamos para marcar o caminho de volta... Há volta ou precisamos de uma
reviravolta e começar algo novo? Somos fragmentos tardios assistindo ao
telejornal, lendo as webnotícias e nos enchendo de clichês retornando a
pergunta nunca feita em voz alta: como viemos parar aqui?
Não há outra maneira de
pararmos em algum lugar a não ser por nossos próprios passos, mas não sabemos
mais qual é o pé direito. Temos o direito de ficar calados até a água acabar,
até a chuva chegar, até nos deixarmos enganar porque é mais fácil do que
corrigir a coluna torta e seguir fingindo que a corrupção é recente como as
guerras religiosas do outro lado do Atlântico...
Qual o próximo papel a ser
interpretado? Quais as próximas máscaras quebradas no bolso bem na hora da
ação? Somos próximos de nós mesmos ou ignoramos as mesmas cenas passadas diante
dos nossos espelhos ou diante de tantos pedaços despedaçados diretamente nos
nossos rostos enquanto George Orwell nos repete sua visão de futuro rindo dos
nossos braços cruzados: se queres uma
visão do futuro, pense numa bota pisando um rosto humano – para sempre. Então,
o fazemos. Inclinamos a cabeça por entre as frestas que nos impedem de ver e
lambemos nossas feridas ao invés de nos fortalecer.
sábado, fevereiro 21, 2015
Contemplação (Rafael Belo)
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sexta-feira, fevereiro 20, 2015
Aperitivo noturno (miniconto)
por
Rafael Belo
A insônia era um
aperitivo diário. Começava depois das 22h e se não fosse forçada a ir embora
seguia caninamente fiel até a claridade voltar. Um incômodo noturno,
companheira indesejada invadindo a casa, o corpo e se esparramando na sala
enquanto o mundo silenciava e dormia. Parecia a mente quieta, mas eram tantas
camadas que na verdade ela gritava do fim da noite até o fim da madrugada e este
não era o fim. O pior continuava quando clareava.
Havia algo naquele
apartamento novo e com certeza não eram a falta de móveis. Eles estavam ali à
maneira Feng Shui, mas parecia ser tudo impróprio, pois ventava o tempo todo e
haviam... Estranhas sensações... Sabe? Quando o lugar parece não ter ido com
nossa cara? Então... O efeito neles era ao contrário. Ela dormia rápido, ele
não dormia. Ela inventava desculpa, ele já não sabia mais inventar nada para
conseguir dormir...
Mas ele não queria
chateá-la, então omitia. As portas batiam e ele tremia. Vinham os mais variados
sons de cima e de baixo, afinal eles estavam no décimo terceiro andar de
incríveis 26... Era a sexta-feira 13 anterior. Sexta-feira 13 de carnaval. Quanta
folia, ele pensava. Uma semana sem dormir e ele já surtava ou já estava surtado
e não sabia? Ele e olhava para ela cada vez do inexplicável, principalmente
quando a luz do quarto pensava ser flash de câmera de estúdio fotográfico e
insistia e piscar como se tivesse em uma tempestade de areia na noite
congelante do deserto. Ela ainda caída no sono.
Ele era só mais um
louco, mas ninguém sabia. Ela era a sanidade. A verdade era fantasia e a
fantasia era subestimada. Só a noite era realidade e, se havia algo físico
identificando isto, quem nela ficava já sabia quem enlouquecia e quem estava
prestes a enlouquecer. Finalmente o ano novo começava. Era 2015, graças a
Deus... Ela acordava, afinal, ele podia dormir e definitivamente voltar ao
normal. "Ora" ela era o Despertar, "ora" ele era a Insônia, estava na hora de
trocar. O pássaro iria pousar. O equilíbrio do feminino e masculino voltava a
trocar de lugar.
quinta-feira, fevereiro 19, 2015
chão seco
No
chão de folhas secas me camuflava
saltitava
feito passarinho em folia
tirando
folga do restante da passarada
não
precisava das minhas asas para ser o céu
não
perdia os sentidos, os amplificava
onde
tamanho não importava era o próprio arranha-céu
mas
não arranhava nada, só passava
nada
de passinho em passinho passar passarinho
passados
passarão antes de todos que passam
imagino
um corpo sem posses sem passos sem passes
pois
posso passar rapidinho ou deixar o infinito chegar.
(às
00h40, Rafael Belo, quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015).
quarta-feira, fevereiro 18, 2015
Dois pássaros em um (miniconto)
por Rafael Belo
Chovem cinzas
compulsivas nesta quarta-feira. A beira de um abismo balança, desequilibra,
embaça a vista e engole a cidade de ressaca. Parecer ser inteira, mas é de gole
em gole até a virada. Não há mais desculpas nem nada. Pela primeira vez se
ouviu pouco o “fato” do ano começar depois do carnaval, mas o dizem. Neste dia
pela metade não há verdades. Não há meios e aqui, ela e ele, deixaram de tentar
ser inteiros. No mais alto ponto paulistano, eles jogaram os panos. Vão cumprir
o pacto.
O ato no antigo Mirante
do Vale, na avenida Prestes Maia, hoje chamado de Palácio Waldomiro Zarzur era
o número deles. Eles estavam a 170 metros do chão, prestando atenção e, às
vezes, balançando os pés. Até pensaram no famoso Edifício Itália, mas dois
metros os fizeram mudar de opinião. Além disso, eles eram as sobras da Geração
X. Talvez os únicos vivos a saberem do segundo incêndio mas fatal depois do
histórico ocorrido no Edifício Joelma. O Palácio Zarzor Kogan, primeiro nome do
Mirante, ainda chamuscava neles.
Fizeram suas juras de
Amor e indignação naquele ponto mais alto, mas o tamanho já não era o mesmo. Nos
anos 1970 havia mais andares e eles estavam no último. Não havia terraço na
época. Eles sobreviveram e ninguém vivo mais (talvez) saiba desta história. Estava
queimado na pele o pacto feito por lá e eles cumpririam. Para eles nunca houve
morada fixa, muito menos física. Eles estavam um no outro como as cinzas
lembranças deste dia.
Agora com todos os
panos descendo lentamente naquele vendaval anunciando mais tempestades
brasileiras, eles tremiam. Estavam nus e percorreriam a cidade enquanto a
ressaca ocupava até os policiais mais honestos. Não queriam chorar, a vontade
era apenas provar que a hipocrisia tirava a fantasia e se escancarava novamente
depois do carnaval. E no terraço do mundo deles eram dois pássaros em um. Há muito
estavam voando. Aquelas únicas almas duplas queriam ensinar a voar. Só nas
asas, não haviam penas. Não havia nada que os cobrisse ou escondesse. Não mais.
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terça-feira, fevereiro 17, 2015
Foli(lhe)ando
Foi lá foliar folheou fisicamente
a folia latente dos invisíveis
eram rostos bonitos desaparecidos
nas páginas maquiadas de falsos livros
eram folhas ventadas de um jeito esquisito
fantasiadas de vontades guardadas
ou tudo não passava de seis dias de equívocos
um carnaval embriagado para ser divertido
dividido entre uma folga de si mesmo...
E a perda dos sentidos.
(Rafael Belo, às 13h44, segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015).
segunda-feira, fevereiro 16, 2015
Será folia? – por Rafael Belo
Falta luz, falta água, moradia,
transporte digno, preços justos e acessíveis, infraestrutura, vergonha na cara,
sobram impostos, ferida que não sara, e demais tributos no meio do caos
generalizado do nosso Carnaval. Não importa a origem do dinheiro, este bacanal,
o brasileiro precisa extravasar... Necessita do turismo sexual explícito e
velado, para acalmar, afinal para explicar qualquer coisa basta dizer: É
Carnaval.
A maior festa do planeta
como a Copa do Mundo, aproveita, e as Olimpíadas bancadas por todos os
brasileiros, “sem qualquer” prejuízo financeiro, só vantagem aumentando um
pouquinho a malandragem e nossa querida corrupção do dia-a-dia nacional. Por isso,
precisamos da folga, esta velha folia constantemente nova para nossa alegria. Porque
o pão e circo nunca vai acabar...
Aliás, folia é isto. Uma
folga ruidosa, um divertimento, uma brincadeira, farra jocosa? ... Mas, na
beira do precipício é ver a global cobertura carnavalesca, bela sim, criativa
sim, mas a que preço? Ver jornalistas padecerem nas piores perguntas forçadas,
descerem na avenida lotada e “perguntar” para a gente “enfoliada” questões
esvaziadas enquanto os analistas, especialistas se repetem nos profissionais comentários...
Como bêbados inflamados a correr de olhos vendados.
Mas, quem não gosta de
descansar e se divertir? Estar um efêmero ser amado? Não importa o preço, o
porvir. A festa da carne é o fim para um recomeço quando o ano começar. Gostaria
de ser mais nostálgico e recordar com sorriso bobo, mágico dos bailes de
carnaval aos quais meus pais me levavam, dançávamos marchinhas e enredos de
escolas de samba, mas nós, gente bamba, vamos cair no axé, no samba e nos
embebedar porque carnaval, futebol... não
mata, não engorda e não faz mal... Assim a vida é. Será?
domingo, fevereiro 15, 2015
Improvisando (resenha do livro vidas provisórias) por Rafael Belo
É bárbara a forma como
vivemos o paulatino cotidiano neste constante viver provisório. Bárbaro nos
dois sentidos pela liberdade e opressão confusos em seus significados. Provisório
porque assim a nossa vida é, a não ser que pratiquemos boas obras repercutindo
na eternidade, nossa própria Odisseia, nossa própria Divina Comédia. Vidas Provisórias
de Edney Silvestre é um destes ecos para o futuro.
Paulo e Bárbara são
forçados a viver vidas provisórias. Um pela ditadura dos anos 1970 e outra pelo
Governo Collor, em 237 páginas,publicadas pela editora Intrínseca, difíceis de nos largar e nós largarmos elas, com uma narrativa
surpreendente. Um é obrigado familiarmente a sair do país em uma perseguição
nada provisória do Chile à Suécia e outra vai ser empregada de brasileiros nos
Estados Unidos. Vão vivenciar vidas violentamente diferentes e frutos do que
não fizeram. Levados ao limite, órfãos de um Brasil feito de desconfiança e dor nos mostrando a visão do "exilado ilegal".
Lá fora não são eles
mesmos. Não possuem a mesma identidade. Estão em conflito interno. São provisórios
e vivem desta maneira: provisoriamente. Estrangeiros chegam aos países
distantes da realidade que lhes machucou de forma abrupta e têm tudo mudado
constantemente, pois nada é definitivo. São assombrados pelos fantasmas brasileiros
vivos e mortos podendo chegar até elas ou as ignorar. Bárbara e Paulo estão
solitários, mas dificilmente sozinhos.
Nesta solidão que nada, Silvestre nos acolheu
e se mostrou uma revelação fantástica da nossa literatura com uma abrangência
mundial repleta da capacidade de qualquer pessoa se reconhecer em algum momento
naquelas vidas provisórias e, quem sabe, não se identificar improvisando seu
dia-a-dia sobrevivendo longe do desejo de viver, vendo o desejo possível de ser
alcançado, mas preso naquele improviso supostamente temporário.
EXPATRIADOS, separados no tempo e na geografia, Paulo e
Barbara compartilham, além da experiência do exílio, o estranhamento pela perda
de suas identidades, o isolamento e a sensação de interrupção do curso normal
de suas vidas. Diferentes motivos os levam ao estrangeiro. Em 1970, Paulo,
perseguido pela ditadura militar, é preso, torturado e abandonado sem
documentação na fronteira, de onde segue para o Chile e depois para a Suécia.
Barbara, com uma identidade falsa, deixa o país para trás em 1991 — durante o
governo Collor —, fugindo de um rastro de violência, e se instala nos Estados
Unidos como imigrante ilegal.
terça-feira, dezembro 02, 2014
Verdadeiras portas
Estão bifurcados
os caminhos do amanhecer. Vai neblinando a cabeça vestida com outras peles.
Os
portões estão apenas encostados separando todo o colorido do porvir,
querendo
rasgar as vestes que não nos pertencem, o acontece da realidade e as aparências
enganadas se vão.
Pela independência
gritada assustando a liberdade para outra personalidade morta de imitação.
Individuais
cópias coletivas casuais não possuem sequer dois divididos dedos iguais.
Agem como
não agimos, pensam como não pensamos... Ah, nós humanos, ainda com medo dos
verdadeiros portais do Amar, vão se recostar no sofá... Até sentir o mundo girar
e poder lacrar as portas.
segunda-feira, dezembro 01, 2014
Sob a pele do outro – Rafael Belo
Na maior bifurcação do mundo
ninguém mais se mexia. Estavam todos parados, mas de repente alguém vindo de outra
via cruzava entre as multidões, escolhia o caminho e seguia. Seguiam muitos atrás apenas pela postura e a
confiança nos passos. Parece ser assim hoje em dia, no entanto nada mudou sobre
o engano das aparências e delas enganarem.
O respeito desceu para áreas
mais ao sul e o norte tem sido solitário e inóspito para quem chega até ele. Há
uma tentativa constante de despersonalização da pessoa, disfarçada de independência,
liberdade e construção de personalidade. Não é claro que a independência é ter
autonomia para fazer o bem entendido por si bancado pelas próprias finanças e
liberdade é a ponta do iceberg, um sentimento de uma emoção particular de cada
um. Até vir o Titanic diário desafiando tudo e todos garantindo não afundar...
Neste caso do indivíduo, eu
vejo cópias coletivas o tempo inteiro... Como um par de asas idênticos de borboletas que pousam e precisam do mesmo impulso e força nas duas asas para voltar a voar. Não são idênticas... Há assimetria em toda parte e em grande parte de nós mesmos.
Afundadas em pensamento e
atitudes parecem réplicas de uma programação inserida no nosso cérebro. Um grande
ensaio de como viver e morrer. Há um julgamento constante do outro, do próximo
sempre baseado em si mesmo e em “exemplos”. Se ele pensa diferente da gente
está errado, se ela não faz o que faríamos não está certo...
Não somos ninguém para dizer às
pessoas como devem pensar e agir! Não vestimos a pele delas, não estamos sob as
situações terminadas, ou terminais, parcialmente responsáveis pelo caminho culminando
na forma que a pessoa está. O que sabemos afinal, além de apontar o dedo e
criticar? Não estamos falando de lei,
moral ou ética e sim de criar instantâneos anjos e demônios. Respeitar o direito de todos de ser e estar não
é aceitar ou ser conivente é finalmente aprender a Amar.
sexta-feira, novembro 28, 2014
Vontade viva (miniconto) – Rafael Belo
Estava
oculto o sujeito em ambos. Entre as coisas e amores. Eles não entendiam quem
era ela e quem era ele... Olhavam ao redor sem entender tantas metáforas. Eram folhas
verdes, folhas secas, folhas ao vento e folhas em decomposição. Flores inteiras,
despetaladas, coloridas, desbotadas, flores vivas em aromas e perfumes de recordações.
Eram cheiros corriqueiros de lembranças e devaneios de dois estrangeiros
nascidos naquela sociedade de janeiro.
A comunidade era ambos e, apesar
do artigo feminino, não tinha sexo definido. Caia nas graças do amor minúsculo
com adjetivo maiúsculo, apenas para alimentar a sentimentalização da prisão. Os
ocultos cultivavam o vulto da esperança com sorvete de toda espécie e chocolate
da desmotivação, mas massas e comidas rápidas também eram bem-vindas, assim
como abstinência total de alimentação.
Ele não era ela nem ele. Ela não
era ele nem ela. Eram formas definidas alimentadas de dias iguais os esperando
diferentes. Eram esquizofrenias da deturpada imaginação da sociedade e da
família. Crias criadas para perpetuar. Folhas caídas, flores partidas por falta
de adaptação. Não eram pessoas perdidas, apesar das formações machistas e
patrimoniais, a vida inteligente aconteceu por lá. Havia conteúdo desenvolvido
repleto da palavra proibida: ideais.
Às vezes eram duas dúzias doídas
de um casal, outras o própria ideal e um céu azul de poucas nuvens. Não estavam
ocultos de fato, o sujeito e a sujeita. Duas
pessoas em liberdade condicional de vidas acumuladas de entulho muito emocional.
Só estavam dispostos a lutar quanto a ambivalência do tal “bem e mal”. Não eram
reducionistas. São experimentos de si mesmos querendo o próprio melhor. E se
isto não é casamento... A lâmpada, a energia, a vontade, a paciência e muita criatividade
não são luz.
quinta-feira, novembro 27, 2014
alterados recomeços
o aroma fica estendido depois do ir das mãos,
o sol é
um lampejo tardio
de tantas
folhas acumuladas na sensação.
Entre as
nuvens acendendo e apagando
esta lâmpada
do nosso universo,
As dores
fecham os vãos da alma
e acalmam
o desequilíbrio,
em alto
reverso.
Um
autorretrato do ato de oferecer flores ao desconhecido...
E
recomeçar um mundo alternativo.
(Rafael
Belo, às 07h, quinta-feira, 27 de novembro de 2014).
quarta-feira, novembro 26, 2014
Alamandas (miniconto) – Rafael Belo
Choviam pétalas secas, mas
amareladas e o perfume ainda se continha sem careta na discreta aromatização
intrincada. Vieram logo após a normal chuva enxovalhada. Por isso, grudavam por
toda pele. Ele e ela curtiam sem entender. Eles estavam pelados, um de cada
lado, e foi um “achado” serem cobertos pois já passavam frio. Nos sabores do
bater do queixo por toda arcada dentária. Eram duas flores.
Amores despetalados, porém
inteiros, se revolviam como em braseiros, enquanto os dois não se resolviam se
teriam pudores e se esconderiam ou se seriam encontrados naquele desafio com
todos os arrepios da água gelada. Nada faltava. Não havia nenhuma queda. Estavam
errados nos despudores, mas livres em suas formas singelas. Olharam para
cima... Trincadas janelas cobertas de telas repletas das amareladas flores.
Alamandas Amarelas foram tomadas
pelo vento em dissabores. Senhores, aliás senhora e senhor de si, eram
divisores das próprias águas. Aproveitaram a nudez para se livrarem das mágoas
e aquela chuva de vento e flores revelava a primavera toda em um prédio daquela
altura. Uma floricultura sem fim. Assim, eles abriram espaço na própria estrada
e marcavam fundo seus passos.
Fossem fósseis favoreciam os
arqueólogos do futuro a desentender os corações passados com pitadas
sugestionadas de dor sem pretender. Nas mãos estendidas bem avisadas um para o
outro havia algo indolor. Nada de ferrão de abelha que fica e mata a alheia
dona da ferroada em vermelha cor. Mas mais mesmo como a picada da vespa,
popular marimbondo, provoca o tombo. Quem é picado levanta, quem pica segue
picando assombrando aqueles ainda desaprendidos de cair. Ele e ela, os pelados,
querem fazer chover pétalas perfumadas em todo lugar. Vão transformar todo prédio
abandonado em uma primavera permanente no ar.
terça-feira, novembro 25, 2014
mãos estendidas
pétalas
desbotadas se espalham pelo chão, ventos sopram senis sentimentos amarelos, não
se sabe mais sobre ser velho... Houve um tempo onde as cores ultrapassavam a
intenção.
Saber selecionar
sabedoria em meio a seleção de frases é encontrar certas fases incontáveis setedecilhões de palavras por segundo no
Google, ou traduzir um grito gago de um surdo chinês durante um decisivo gol...
Mãos da
insensatez devolvem às arrancadas pétalas de mal e bem-me-quer para acabar com
todo triturado talvez e as flores voltam oferecidas sem extensão de dor.
(Rafael
Belo, às 07h45, terça-feira, 24 de novembro de 2014).
segunda-feira, novembro 24, 2014
Perdendo a cor – Rafael Belo
Pétalas amarelas são perfeitas
até na imperfeição. Juntas formam a flor e o perfume contrastando com o verde
como um desmaio de olhos abertos. É um sair de si e ser outra pétala desta
mesma primavera neste botão aberto. Sair de si e ser outras possibilidades é se
dar a liberdade de imaginar e poder ser todos os seus dons. Perder o tom e
desafinar a vida é um caminho a ser percorrido.
Como saber a afinação e o dom sem
sabermos a desafinação e aquilo com o qual não temos afinidade? Perdoar-se e o
outro pode variar entre o grave e o agudo, mas deixar a ignorância ganhar
nuances de drama é perder por desistência ou simples ausência. Não podemos
vestir este traje da depressão, vale mais o desapego. Temos de estender a mão e
nos despir de preconceitos.
Mas ficar nu e ostentar a magreza
com adornos de adoradores do corpo malhado é aquela velha história de chover no
molhado, de usar flores para disfarçar o cheiro de decomposição. Talvez da
nossa consciência iludida, dos nossos óculos corretores da miopia e do
astigmatismo, mas com lentes da fantasia. Usando da brincadeira e da ironia, ou
melhor sarcasmo, para humilhar e ofender dizendo com outras palavras o que
queria dizer.
Proporcionando dor em si e no
próximo é se despetalar, desbotar e acelerar a própria decomposição. Sem cor e
sem odor a vida vai ficando sem graça e realmente começa a doer. Não podemos
ignorar a dor alheia, mas precisamos acabar com nossa dor, encontrar nossas
cores originais e saber mudar de pétala se preciso for. Então, nossas mãos se
estendem naturalmente até parar de doer.
sexta-feira, novembro 14, 2014
Tateando a escuridão (miniconto) – Rafael Belo
Com os braços
esticados se atirava no impulso do vácuo vacilando passos e
mente. Estava toda dormente como se não circulasse sangue mais sob a pele.
Sentia-se cinza em um mundo colorido e não, não era destaque... Parecia
carregar todos os quilos do planeta e se curvava no que se revelaria um
quarto-inteiro de infinitos. Tentou um grito e tudo que conseguiu foi o agito
dos pobres lábios e da língua, além de vermelhidão no pescoço e no rosto,
devido ao esforço.
Deslizando os dedos pela
superfície para decifrar pelo tato é... Era realmente um quarto gelado, morto,
suposto... Não era possível identificar. Talvez nem parede fosse
porque como poderia se movimentar? Tocou os olhos para se certificar. Estavam lá.
Não, não eram dois buracos negros sugando o lugar. Poderia ter voltado no tempo
e estar em Além da Imaginação... Teria perdido a visão? Tocou de novo os olhos
para saber se estavam abertos ou fechados. Estavam abertos e quase não
piscavam. Caiu...
Agachada começava de quatro a
caminhar com a cabeça inchada de tanto bater em qualquer objeto que deveria apenas esbarrar. Joelhos e mãos raladas até não mais aguentar, então como um fuzileiro
se movimentar. Antebraço, cotovelo, joelho, canela e pé até ser só dedos,
palma, punho, antebraço, cotovelo e no fim se contorcer com o peitos e coxas. Um
pouco depois do fim, rasteja com movimentos de convulsão, mas pela sensação
para onde vão?
Um pouco de força veio como
energia e forçou o queixo e o pescoço para frente... De repente... Acordou no
meio da noite a pessoa pensando estar acabada, morta, enterrada em seus maus
pensamentos. A pessoa estava viva, pelo menos assim imaginava. Outra energia
oscilava e revelava a mais escura das madrugadas. A energia faltara agora
voltava. Estava cercada de um beco com uma rua sem saída cheia de irregularidades
fachadas. Mais a frente outras portas próximas da calçada e muitas distantes. Esteve
o tempo todo acordado. A escuridão total é parecida com a morte, mas talvez seja igual.
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故事;黑暗中; 触摸; conte; obscurité
quinta-feira, novembro 13, 2014
O que fazer?!
a aparência
estava à beira da morte,
morreu na
ignorância resort
cheias de
gatos de luz, sua iluminação roubada
era para
um morto ambulante espalhando pus
nada
tinha a ver com azar ou sorte,
voar fora
da asa alheia “não que importe”
é nunca
sair da gaiola nem com a mente
sem ser
forte nem na palavra, encravada, indigente itinerante, arrancando devagarzinho
os braços dos passarinhos
e
fingindo saber o que fazer com as asas.
(Rafael
Belo, às 07h38, quinta-feira, 13 de novembro de 2014).
quarta-feira, novembro 12, 2014
Morreu a morte (miniconto) – Rafael Belo
Ele chegou no fim da rua e olhou
para o céu, nenhum terminava ali, ambos continuavam. O horizonte é infinito e,
por enquanto, não há nada mais longo. Ele pensava, então, se seu fim não era
uma vírgula, uma pausa para respiração... Teve medo de ser apenas o suspense
das reticências, algo vago e assustador por si só. Tocou-se como quem procura
dinheiro perdido e constatou estar mesmo ali. Teria morrido, ou melhor,
sobrevivido?
Pensando bem ele sempre foi bem
morto. Arrastava-se pelas sombras, mancava calado, era uma poesia desgastada
com rima forçada e olhar para fora... Ora, quando olhou para dentro se acendeu.
Via prova que para sair é preciso primeiro entrar. Mas, bem naquela hora
acontecia uma clandestina desova. Alguém dera em um cavalo uma sova e o jogava
bem nele. Ele temia a morte e agora a via.
Havia uma glória retórica
introdutória e ele apagou... Como uma fraca chama na tempestade de vento. Não acompanhou
a visão e nem lembrou, se assustou quando acordou e ainda naquele primeiro
parágrafo persistia no tema dilema: sobrevivência ou morte? Testou sua
respiração. Ele não sabia se precisava nascer ou de ressuscitação. Prendeu-se a
um verso secreto entoado em sua Alma.
Com calma levantou. Ele não havia
morrido porque para morrer basta estar vivo e ele tinha certeza de não ter
vivido ainda. Como queria a ida para a eternidade, precisou ficar à vontade,
pois na leviandade praticada não era nem zumbi quanto menos nada. Precisava pegar
palavras e tentar significar seu sangue. Este precisava derramar sem intenção
de salvar ou condenar. Foi para a esquina anunciar em cartaz com sua escrita em
sangue: Está morta a morte, morra e viverá.
terça-feira, novembro 11, 2014
para quem não sabe
se o poeta
não sorri, não revela rima,
sua sina
o prendeu na gaiola e jogou a porta fora,
não há
como sair, poeta sem poesia não há de existir
engaiolado
talvez partir, já que seus versos não estão mais por aí
sua
imaginação definha, quem sabe imagina a si mesma livre do corpo, liberta da
mente, no absurdo desta gente
não saber
que a morte é parente, íntima de todos
e a carne
é ínfima... Diante do tamanho da Alma
enquanto
os passarinhos passam passinhos para quem não sabe voar.
(Rafael
Belo, às 07h31, segunda-feira, 10 de novembro de 2014).
segunda-feira, novembro 10, 2014
Basta viver – Rafael Belo
Há um caminho entre o fim da rua
e o fim do céu, pelo menos lá aonde a vista alcança. No horizonte está timbrado
nosso caminho e olhar para esta harmonia nos alinha, nos faz olhar de volta
para dentro de nós. Como se nós fôssemos o tal abismo tentando encontrar
olhares. Esta olhada interna pode ser poesia ou um despertar para a necessidade
de rimar o mundo, não com finais iguais, mas com a sonoridade da calma.
Paciência se adquire no caminho
antes de chegarmos lá aonde o olhar alcança por que está morto quem vive
temendo a morte. Cambaleia feito zumbi quem não compartilha, quem não trilha
sem julgar, aqueles que preferem se alimentar de outros cérebros, outras carnes
para fingir viver. Não vive quem idolatra tantos falsos ídolos na histeria da
deturpação de dons transformando talentos em tormentos e imitação.
Há um enjaulado sofrimento livre
em nossas paredes feito de um sangramento coagulado. Nosso sangue derramado em
vão é um cortar os pulsos em inconscientes impulsos de um suicídio invisível
diante dos olhos de todos. Estamos morrendo despedaçados por nós mesmos e
quando choramos são as lágrimas da alma, talvez a única consciente da
quantidade de pedaços desfeitos por falta de uso ou abuso da má-utilização.
Porém, por mais que a palavra
seja reciclar, descartamos simbologia e produto final para termos o novo seja
lá qual for. Morrem as palavras com significação, as esvaziamos e apenas as
repetimos sem pensar. Estamos mortos, pois perdidos. Somos mímicos fazendo
sombras de outras luzes. Não nos damos ao trabalho de encontrar a poesia da
nossa Luz e iluminar, brilhar. O problema não é o medo e sim nossa covardia de
acreditar na poesia e de tudo aquilo vindo da Palavra, do Verbo, pois se somos
do Verbo, somos rima, versos divinos onde quem morrer vive, basta viver.
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